Uma última (linda) frase.


Parece de filme, mas não é. Há algumas semanas despediu-se destes terrenos um senhor conhecido meu, de quem muito bem - enquanto vivo - ouvi falar, detalhe este importante, a meu ver. E o que me traz aqui, a discorrer sobre o que aparenta ser mais uma vítima de um fulminante ataque cardíaco, não é outra coisa senão sua última frase, dita à sua esposa na manhã do fatídico dia, depois de terem dormido separadamente, ela cama, ele na rede. "Que desperdício, poderíamos ter passado a noite juntos."

Despediu-se assim, sem uma grande frase de efeito, como eu te amo, me perdoe por meus erros meu amor, ou coisa parecida. Soltou essas despretenciosas palavras somente, como se dali a pouco fosse sair para comprar o pão ou buscar as correspondências. A esposa deve ter sorrido, beijado sua face ou simplesmente concordado com um aceno de cabeça e ido, como de fato foi, tomar seu primeiro banho do dia. Pois que, ao voltar, de banho tomado, se deu conta de que aquela havia sido uma despedida. Sensível despedida. São os rastros e heranças que algumas vezes a morte gosta de deixar, como um último suspiro antes do gatilho. Pena que esses rastros nunca ou quase nunca fazem parte das formalidades, como velório, missa e tudo o mais. Afinal de contas, sem querer inovar no mais triste momento da vida, que já é morte no caso, será que não caberia um espacinho no livrinho da missa dizendo, " (...) e o senhor fulano de tal despediu-se de sua esposa com a despretenciosa (e linda) frase, 'que desperdício, poderíamos ter passado a noite juntos.'" Seria um brinde, um retrato da despedida, uma homenagem à pessoa que se foi e, por que não, uma deixa para qualquer crônica.

Comentários

  1. Lucas, que coisa mais linda! parabéns pelo blog (blogue?) pra você que gosta de crônicas, já leu as do Rubem Braga? de um pequeno fato do cotidiano ele tira a mais limpa e pura poesia. acho que você vai gostar. continue escrevendo nesse blogue que serei sua leitora assídua. beijo da tia zuleica.

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  2. Luquete,

    Adorei o blog, os escritos e o retorno da literatura em seus dias.
    Assim, expresso meu desejo de que, passada a tempestade dos vestibulares e da estabilidade dos estudos e trabalhos, VOCÊ VOLTE A ESCREVER, a dedicar-se à literatura, ao jornalismo, às letras... Porque acho que este é seu talento... Sempre foi, desde o tempo do Arnoldo e suas negas, lembra? Beijos

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