De camisa abotoada.

Saio do escritório ao meio-dia, meio-dia e pouco, quando reparo em um senhor que tenta aparentemente com todas as sua forças continuar uma caminhada que já pede urgentemente um descanso. É um idoso velhinho, desculpando o pleonasmo, que acaba de levantar seu braço direito e o pôr no muro ao lado, como meio de se sustentar. Vejo que esse braço treme, treme muito. O pobrezinho não está bem. Vou até lá, chego mais perto, pergunto estupidamente como ele está, e ele me responde somente um dificultoso "Meio tonto...". Pergunto-lhe se quer sentar, ao que me responde que vai sentar sim, mas o impeço que sente naquela calçada quente e de pedras pontiagudas e o levo ao escritório, que está a uns dez metros de onde estávamos. Sentado lá, peço à secretária um pouco de água, e ela traz gentilmente dois copos. O senhor, cujo nome poderia ter perguntado, mas não perguntei, pois sabia que o nome não importava naquele momento, mal consegue segurar o copo d'água, segura-o com as duas mãos trêmulas e o bebe deixando cair água em sua blusa (um dia) vermelha, velha, de botão, fechada até o último botão, colado ao pescoço, como se quisesse, apesar do imenso calor, manter sua honra de vestir-se bem. Bebe o segundo copo, este já com ajuda da secretária, e diz, depois de perguntado, que vai ficar em qualquer terminal de ônibus, esperando que seu exame da úlcera saia. Damos, tanto eu como a secretária, algum dinheiro a ele, digo que se quiser pode ficar mais, mas ele diz, quase emocionado de tão agradecido, que tem que cuidar. Vejo um rosto suado, um corpo exausto e solitário de uma vida inteira sem recompensas e me pergunto se ele resistirá mais treze dias, tempo em que, segundo ele, sairia o resultado do exame que veio da sua cidade do interior para fazer. Levo o velhinho até lá fora, onde nos despedimos e desejamos um ao outro boa sorte, e o vejo seguir sua lenta e dura caminhada. Ao chegar ao carro, percebo que vou gurdar para sempre a imagem do velhinho com aquela blusa abotoada até o pescoço, suado, a beber um copo d'água com as mãos completamente trêmulas, num dia como outro qualquer. Que Deus o tenha.

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