Cooper.

Há alguns meses, estava eu correndo (ou melhor, correndo não, fazendo um jogging, porque palavra americana transmite muito mais importância à frase) quando vi um casal fazendo aquela tradicional e sadia caminhada, os dois lado a lado, vindo em direção oposta à minha. Seria um casal como outro qualquer - desses que caminham juntos toda noite mesmo depois de dias provavelmente cheios de trabalhos e afazeres -, não fosse o curioso fato de eles estarem de mãos dadas.

Porque casal fazendo cooper, a gente vê muito; e casal andando de mão dada, também, mas não fazendo cooper. E foi exatamente a junção dessas duas coisas que me chamou a atenção, surgindo-me como a mais simples, despretensiosa e ao mesmo tempo mais nobre, sensível prova de amor entre duas pessoas que naquele momento poderia existir. Caminhar de mãos dadas com seu namorado ou marido no shopping é - se tirarmos a parte carinhosa que há - mero cumprimento de formalidade. Cá pra nós, alguém que por acaso veja você andando no tal shopping ao lado de seu par sem estar com a mãozinha junto da dele, possivelmente vai pensar que vocês estão brigados. Mas caminhar (enquanto atividade física) ao lado de seu amor não exige esse tradicional contato. De jeito nenhum. Por isso, naquela situação, aquele gesto desnecessário, despretensioso, incomum e ao mesmo tempo tão voluntário, tão verdadeiramente simples, ou tão simplesmente verdadeiro, me deu conta de que eu poderia dali extrair a próxima crônica.

Mas o tempo foi passando, passando, e eu sempre empurrava esse tema pra depois, pra um dia, quem sabe torcendo pra que eu acabasse por fim me esquecendo dele em algum lugarzinho inalcançável de minha memória. Hoje, porém, neste último texto do ano, buscando escrever sobre algo que trouxesse alguma esperança para este 2011 que se inicia, me lembrei desse casal: num gesto simples, a prova de que, sim, ainda vale a pena esperar um novo ano chegar.


Frase do dia:
"(...) a frase foi lançada desprendidamente, ficou a pairar, à espera de que lhe dessem atenção (...), podia ser verdade, podia ser mentira, é essa a insuficiência das palavras, ou, pelo contrário, a sua condenação por duplicidade sistemática, uma palavra mente, com a mesma palavra se diz a verdade, não somos o que dizemos, somos o crédito que nos dão (...)"
José Saramago

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