Inquietação.

O vento frio, não frio, mas suave, que entra pela janela e quase sem querer me toca a pele, avisando-me que não estou só; o silêncio de uma noite serena de domingo, sossego quebrado somente pelos carros que vez por outra cruzam a rua, lá embaixo, sem que eu os veja aqui de cima; o olhar triste deste cronista incapaz, que espera do mundo, mundo que cala, dá de ombros, dele também esperando; tudo isso se aglomera, se aglutina, se - como diz o matuto - ajunta, e me entra peito adentro, lento, perfurante, dor lancinante, lá na alma.

O passado, que no passado me trazia outras angústias, tenta ludibriar-me e surge, repentino, como uma época saudosa, querendo-me fazer crer que ali fui feliz. As lembranças que tenho da vida (todas elas, sem exceção!) misturam-se num molho denso, espesso, que paira borbulhante em minha mente, à espera de algo novo que tempere essa mistura, melancólica mistura, que é a vida.

Não suporto a inquietação, ardor besta, insosso, sem explicação. De tudo, não espero nada, exceto das palavras, que torço nunca mais me deixem, analgésicos da alma.

Aqui da janela, o vento continua soprando ligeiramente frio, e os carros já não são tantos pela rua. O cronista arrefece sua dor, e o mundo continua lá fora, completamente indiferente.


Frase do dia:
"Não seria possível definir o homem como um animal que nasce, alimenta-se, pensa, reproduz e morre; o que interessa no homem é o que sobra; o fundamental nele é o supérfluo."
Paulo Mendes Campos

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