O flanelinha

Um dia desses, numa sexta-feira - sexta? acho que era -, tarde da noite, fiquei vendo da janela da cozinha uma festa que estava acontecendo no prédio aqui ao lado. Som alto, banda ao vivo, acho que era aniversário de alguém. O clima, visto dessa bendita janela, parecia bom, lá nesse prédio; tão convidativo que quase peguei uma cerveja na geladeira. Reparei, no entanto, que poucos se arriscavam a ir dançar; a maioria das pessoas permaneciam sentadas nas mesas, provavelmente tímidas ainda, e digo “ainda” porque sem dúvida muitos estavam a beber com fingida pressa algo que lhes expulsasse a tal timidez, de modo que logo, logo estivessem desinibidos - ou mamados, bêbados, calibrados, melados, embriagados, como queiram - a ponto de se levantarem e irem dançar um pouco. Mas até aquele momento, como disse, somente umas duas ou três pessoas bailaban, e discretas; o restante só marcava o compasso da música com o pé batendo no chão, embora isso eu afirme por mera dedução da cena, já que obviamente da posição em que eu estava jamais conseguiria verificar tal detalhe.

Pois foi aí que, de repente, vi, do lado de fora do prédio, um flanelinha que estava vigiando os vários carros que, por motivo da festa, estavam estacionados na rua. Mas vigiando vírgula! O cara estava dançando as danças mais engraçadas que eu me lembro de ter visto na vida. Completamente sozinho na rua tranquila àquela hora, ele inventava passos, dançava com os braços, pernas, cabeça, ombros... Um verdadeiro show (de humor, eu diria). Ele levantava os braços feito a Britney Spears, se agachava subitamente, dava um giro que até o Michael Jackson invejaria, tudo sozinho, sem se mostrar pra literalmente ninguém (exceto pra alguém que da janela do prédio ao lado estivesse o admirando). De longe, percebi que a pessoa mais feliz da festa – e do mundo, naquele momento, ao menos - estava do lado de fora, pois não fora convidado. Dançava movido unicamente pela sua felicidade; não queria, como as pessoas que dançam numa festa qualquer, paquerar com alguém, fazer valer o dinheiro gasto num possível ingresso, nada, nada, nada. Só estava pondo pra fora tudo aquilo que a música lhe oferecia naquele instante: a rara sensação de felicidade. Felicidade mesmo, espontânea, essa que se tem sozinho e que chega como um estalo; não aquela trazida por alguém, ou comprada. A alegria desse rapaz me comoveu da forma mais simples, verdadeira, inocente, poética que há no mundo; uma agulha minúscula me tocou o coração, e eu invejei por um só momento esse flanelinha, que foi feliz, verdadeira ainda que brevemente... feliz.


Frase do dia:
"Mas naquele momento eu estava no estrangeiro, e era obrigado a falar em língua estrangeira, o que é incômodo e ligeiramente humilhante, pois como dizia aquele português, o Teixeira, não há nada mais hipócrita e constrangedor para um homem de bem do que chamar queijo de fromage ou cheese quando está vendo com toda a clareza que no fundo aquilo é queijo mesmo."
Rubem Braga

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