Fábio


Ele está sempre ali, porque ali é seu lugar: Silva Paulet quase esquina com Santos Dumont.

Era sempre o mesmo problema: toda vez que eu tinha de ir ao banco, que fica exatamente nessa esquina citada no primeiro parágrafo, não havia lugar pra estacionar. Tinha de parar a várias quadras de distância ou desistir e ir a uma agência bem mais longe.

Pois foi num desses dias, já há alguns anos, que ele apareceu em minha vida. Eu estava dirigindo devagar, à procura da bendita vaga, quando ele surgiu, agitadíssimo, erguendo os braços como se tivesse acabado de avistar uma tonelada de ouro maciço brotando daquele asfalto quente – mas só estava me avisando que achara um lugar onde eu parar.

Desci do carro, cumprimentei-o brevemente e fui resolver sei lá o quê na agência. Ao voltar, perguntei se ele estava sempre por ali, ao que ele disse que todo dia, o dia todo. Dei-lhe uns trocados e me mandei.

Nas duas ou três vezes seguintes em que fui ao banco (nessa época eu ia várias vezes na semana, devido a uns trâmites da empresa), o Fábio, gordinho, flanela à mão, sempre estava lá, cheio de vida e arranjando minhas vagas. Vez por outra, quando não havia lugar, ele, que já tinha passado a conhecer meu carro de longe, entrava em um ou dois automóveis, estacionava-os em outro canto (pois é, ele fica com a chave de metade dos carros dali, eu logo descobri) e descolava o meu lugarinho, ou eu mesmo já largava a minha chave em suas mãos e ele que desse um jeito. E ele dava. Uma eficiência que só vendo pra crer.

Não demorou e também passei a perceber que ele era na verdade um personagem daquele pedacinho da rua: o vendedor de balas, o sapateiro e quase todo mundo que trabalhava ou passava por lá, a pé ou motorizado, mandava um "E aí, Fabinho!" ou um "Teu Fortaleza hoje perde, viu!" – só podia ser tricolor, uma figura dessas.

Mas como se não bastasse a eficiência no arranjamento das vagas, passei a observar o outro serviço que ele prestava: a lavagem automotiva. Mas não uma lavagem qualquer, dessas que todo flanelinha faz. O Fabinho lavava, aspirava e tudo o mais. Quase morro de rir quando, um dia, pedi a ele pra aspirar meu carro e ele disse assim, visivelmente abatido: "Hoje não dá, ó, Lucas, cortaram a gambiarra que eu fazia aqui no poste pra ligar o aspirador... Mas na próxima vez dá certo!"

Outra vez, essa inesquecível pra mim, eu entrei na agência com o tempo já meio nublado. Ao sair, caía uma chuva daquelas. Da marquise, então, calculando que aquele dilúvio não acabaria tão cedo, aceitei a ideia do banho que teria de tomar no caminho até o carro. Pois eis que, nesse momento, o Fabinho surge na esquina dirigindo um Chevette (82, no máximo), aos gritos: "Entra aí, entra aí!" Rindo da inusitada situação e lhe agradecendo por ter me salvado daquele pau d’água, ainda o ouvi dizer: "Cliente meu não pega chuva, não, rapaz!"

Hoje, depois de algum tempo sem vê-lo, encontrei-o novamente. Ele continua lá, inventando vagas, lavando carros, mas essencialmente tornando mais leve, mais bem-humorado um pedacinho minúsculo do planeta.


Frase do dia:
"Cansada, mas bem, responderei eu, e estas palavras também as andamos a dizer constantemente, não me admiraria nada que ao passar-nos deste mundo para o outro ainda consigamos arranjar forças para responder a alguém que se tivesse saído com a imbecil ideia de nos perguntar como nos sentimos, A morrer, mas bem, é o que diremos."
José Saramago

Comentários

  1. Impressiona-me sua capacidade de ver a singularidade das pessoas,não pelo ter e sim pelo ser,preferivelmente no modo de enriquecer sua formação humanitaria.Vá em frente que atrás vem gente... (seus seguidores)

    ResponderExcluir

Postar um comentário