O medo é (e será pra sempre?) mais contagioso que o amor

Parte devido à greve dos policiais militares com consequente aumento da criminalidade, parte (grande?) devido aos exageros rapidamente disseminados pelas redes sociais, as quais faziam Fortaleza parecer um remake do longa Nova Iorque sitiada – o certo é que na última terça-feira o pânico se espalhou por cada esquina da capital cearense.

Em meio às infinitas mensagens no Facebook, que só fomentavam um cenário de caos e medo, li uma que me pareceu um raro estalo de sabedoria, de humanidade, a mais judiciosa conclusão que alguém, vendo tudo aquilo, poderia ter: "Infelizmente, mas muito infelizmente mesmo, o medo é mais contagioso que o amor."

Ao ler essa frase, esqueci por um momento o sombrio cenário em que se encontrava nossa cidade e fui sutilmente catapultado para uma esfera mais aprazível: a do amor. Fiquei por ali imaginando nossa população, só por um dia, sendo contagiada não por aquela apreensão voraz, mas sim pelo mais belo dos sentimentos humanos: o que faz o nosso olhar brilhar, faz o coração bater feliz acelerado, o que nos torna, como diria o poeta, infinitos enquanto dura o tal sentimento. Lembrei-me, pois, do amor, que no último dia três de janeiro foi engolido pelo pavor, em toda a capital cearense.

Embriagado pela lucidez e poesia presentes na frase, divaguei por alguns minutos no que ela me dizia. Imaginei o dia em que – ao invés das incontáveis chamadas e mensagens e gritos silenciosos de medo que os cidadãos fortalezenses espalharam pela cidade, a fim de avisar a parentes que fechassem as portas de casa pois os ladrões estavam a solta, que baixassem as portas do comércio pois a bandidagem estava trabalhando como nunca, que em suma não saíssem de seus lares nem abrissem a porta pra ninguém pois naquele dia tudo estava por um fio – nós, cada um de nós, tal qual aconteceu há dois dias, nos encarregássemos de irradiar uma mensagem que chegasse a todos os habitantes de nossas capital: a de que o amor existe. A de que o amor, aquele sentimento que andava meio empoeirado, encaixotado nos porões de nosso peito, renasceu com toda da força de que é capaz. E assim o Carlos, que é casado com a Joana mas há tempos andavam se apegando a picuinhas, ligaria pra ela e lhe diria com voz embargada, da mais verdadeira forma, "Eu te amo, meu amor", e a Joana, com os olhos ainda marejados pela inesperada mensagem do marido, ligaria para a sua mãe, dona Fátima, e lhe proclamaria como nunca chegara a fazer, "Mãe, obrigada por tudo", e a mãe, por sua vez, mandaria, para o vizinho simpático de quem no entanto nunca foi muito próxima, flores com a seguinte mensagem, "Hoje o amor bateu à minha porta, e espero que estas flores façam-no bater à sua também." E o amor se espargiria rápido, iluminando nossos rostos, abrindo nossos sorrisos, iluminando a cidade inteira, do pobre ao rico, da criança ao idoso, do saudável ao enfermo.

À autora da frase, minha tia Bernadete, e a quem mais possa ter se sensibilizado com o que a sentença propôs depois do acontecido de dois dias atrás, deixo um utópico recado: quem sabe um dia o amor não siga esse enredo do segundo parágrafo, mostrando que a frase deve ser ser revista, que história não é bem assim. Quem sabe.


Frase do dia:
"Só transcendendo a cegueira do individual podemos entrever a substância do mundo."
Rosa Montero

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