As virtudes de mudar

Chico, Gabriel e eu indo pra faculdade. Como de costume, estávamos presos num engarrafamento típico de qualquer cidade grande por volta das seis da tarde. Uma terapia gratuita, um teste de paciênia com que somos presenteados diariamente, já há quase cinco anos.

Não me lembro do tema sobre o qual discutíamos, mas recordo que eu – logo eu, que até bem pouco tempo atás tinha um ponto de vista bastante distinto acerca do assunto – dei minha mais nova opinião de forma categórica. Então, o Chico saltou e disse algo do tipo: "Não, peraí, assim tu tá entrando em contradição, um dia desses tu falou exatamente o contrário, foi ou não foi?" E eu, sorrindo por ele ter lembrando meu antigo ponto de vista, disse: "É verdade, mas eu mudei de minha forma de pensar sobre isso." E, tornando o clima ainda mais descontraído, afirmei que preferia ser "essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo", e assim, o Chico, num tom leve que nada tinha a ver com o infernal trânsito que nos circundava, disse ter gostado da minha mudança de opinião, que era mesmo válido "dizer agora o oposto do que disse antes". Embalados pelas sabedorias de Raul Seixas, então, seguimos nossa ida à aula, nossos caminhos, nossas vidas.

Hoje a história me voltou à mente por uma razão simples: o fato, que continua me saltando aos olhos, de como as pessoas insistem em não mudar de opinião, teimando em passar a vida abraçadas a um par de ideias que cheiram a mofo, de tanto tempo que ficam lá, intocadas dentro da gente. Porque mudar de opinião, pra mim, é a maior prova de evolução que um ser humano pode ter. Darwin iria curtir uma mudança de ponto de vista, porque é assim que se evolui o pensamento. Às vezes a vida até nos dá uma forcinha pra que operemos essa evolução. Quer um exemplo? Muita gente só passa a doar sangue depois de ver morrer um parente próximo por falta de doação.

Mas, já que entramos no assunto, penso que essa mudança de opinião a qualquer custo é somente a ponta de um enorme iceberg cuja base, na verdade, é o exigente, doloroso exercício de tentarmos ser pessoas melhores, mais gentis, mais humanas a cada dia, dentre os poucos que nos restam. Sim, os poucos. Porque nossa vida não passa de um breve iluminar. Antes dessa luz, quando não nascidos ainda, tudo era escuridão. Daqui a pouco, quando nos formos, tudo se apagará uma vez mais. O que é vida, portanto? Uma luz forte, muito forte, sob a qual podemos operar no mundo uma infinidade de mudanças – o problema é que, de tão ofuscante, pensamos que ela não há de se apagar assim tão cedo, tolos que somos, a luz é breve e as mudanças, pra já.


Frase do dia:
"Uma árvore geme se a cortam, um cão gane se lhe batem, um homem cresce se o ofendem (...)"
José Saramago

Comentários

  1. concordo! podemos sim mudar de opinião! muito boa! ;) Tádila.

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    1. Lembro-me perfeitamente dessa tarde de dezembro de 2011, no nosso 8º semestre.
      A mudança de opinião em questão foi a respeito da opinião do Murici Ramalho em relação à diferença entre treinar clubes brasileiros e europeus.
      Tal discussão veio à tona a partir de mais um ponto de vista do grande Mauro César Pereira sobre o assunto, uma vez que estávamos às vésperas do mundial de clubes (por isso me lembro do mês).
      Aliás, outro ponto peculiar dessa conversa, que você não escreveu, talvez nem percebeu, foi sobre o que causou essa tua mudança de opinião. Lembro que eu, meio que pra tirar onda, falei que você só mudara sua opinião porque o Mauro César disse um ponto de vista diferente.
      Você então simplesmente concordou, sem nenhuma prepotência em querer tomar para si o crédito da nova concepção.
      Achei isso tão interessante quanto a mudança de opinião em si. Abraço.
      P.S. Agora que você está se encaminhando para ser um letrado, quando vai divulgar a existência desse blog para seus novos colegas e professores? Acredito que no seu novo curso este singelo espaço no qual o resto (de você) escoa fará muito sucesso.

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    2. Grande Chico, obrigado pelas belas palavras e pela lembrança do tal fato, de que eu sozinho jamais me lembraria. Quanto à divulgação da existência do blog entre meus novos coloegas, não sei, acho que prefiro deixá-lo assim, como sempre esteve, discreto, à margem, quem sabe a exemplo de seu dono. Porém, talvez mude de opinião, não é assim?
      Um abraço, companheiro.

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