Vou-me embora pra infância

Faz algumas semanas, era um sábado de manhã, e a escola em que eu estudei até meus dez anos, na qual desde então não voltara a pisar, estava literalmente de portas abertas – aliás, alguma vez elas me estiveram cerradas?

Ninguém na portaria, ninguém na recepção, de modo que fui entrando acanhado naquele ambiente que um dia foi tão meu. Havia ido lá só pra buscar minha tia, com quem combinara de ir ao cinema e que estava lá dando uma palestra para os professores da escola. Imaginando que ela ainda não se desocupara, decidi descer do carro e dar uma olhada em como estavam aqueles velhos corredores: cenários em que meus mais puros sonhos plantei.

A escola estava mesmo vazia, e a cada passo que dava colégio adentro, mais estranho me sentia: foi como rever – em cada pequeno espaço que felizmente foi mantido naquela escola – um pedaço de mim que ficou pra sempre guardado naquelas salas, naquele mundo colorido que nada tem a ver com a realidade em preto e branco que mais tarde se nos apresenta. À medida que entrava naquele universo que cheirava a lúdico, fui me reencontrando com uma parte de mim que pensava não existir mais. Ou melhor, com uma parte minha que eu sabia que ainda (r)existia, sim, afinal ela é o alicerce daquilo que me tornei, mas que jamais imaginei que pudesse me surgir novamente em cores tão vivas, em sensações tão reais. Senti-me regurgitando memórias afetivas perfeitas, como se as tivesse engolido sem mastigar e, quase quinze anos depois, eu as visse com a mesma riqueza de cores, de sabores, de sonhos. 

Fui então lembrando cada um dos amigos que tive ali: de uns dois ou três ainda sou muito próximo, de alguns tenho esporádicas notícias pelo Facebook, mas da grande maioria guardo somente a carinhosa lembrança de um tempo em que convivíamos com monstros e fadas e princesas, um tempo em que perguntávamos sobre tudo porque não tínhamos vergonha de não saber nada, um tempo em que chorávamos um choro alto, só pra mãe poder notar. Guardo desses amigos somente essa lembrança inocente, mas ao caminhar por aqueles corredores, naquele sábado de manhã de escola vazia, sei que estivemos todos juntos uma vez mais, pois foi assim que os senti: perto de mim.

Sentei-me num banco do pátio e tentei lembrar tudo, tudo daquele tempo, como uma pessoa que em sonho reencontra alguém muito querido que já partiu e assim aproveita cada segundo ao seu lado, pois no fundo sabe que aquele encontro é breve, e que logo o sonho acabará e essa pessoa voltará a ser somente uma lembrança, perdida em meio à realidade. E, assim, me esforcei pra manter – durante aqueles minutos em que estive só, diante de ambientes tão cheios de significado – viva a memória daquele tempo infantil, talvez já sabendo que em breve ela arrefeceria novamente. Olhei a quadra de futebol, passeei por corredores, por salas, pelo refeitório e tudo me pareceu tão bom, mas tão bom, que me doeu o peito de repente – era a viagem que acabara, era a realidade que já me chamava de volta, triste e sem graça. 


Frase do dia:
"É preciso ter dúvidas. Só os estúpidos têm uma confiança absoluta em si mesmos."
Orson Welles

Comentários

  1. Tinha certeza que escreveria sobre sua visita, só não tinha tido tempo de vir ler... Amei o último parágrafo, me fez saber o que sentia, me fez rever os cantares dos meus canarinhos...

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  2. Pois é Lucas, as lembranças da nossa vida infantil permanecem tão vivas, como a mais pura realidade.Vale muito revisitar nossos passados.Abs

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