Do que é, ou poderia ser, luxuoso

A linguagem é um fascínio: as palavras, cujos significados julgamos conhecer inteiramente, pouco a pouco vão se cambiando, se metamorfoseando, como numa dança lenta quase imperceptível aos olhos menos atentos  sorrateiras, elas vão incorporando significados outros, de modo que dialogar, argumentar nem sempre são tarefas simples: a outra pessoa apreenderá exatamente o que queríamos dizer? Perceberá quais significados estão por detrás dos itens lexicais que ingenuamente convocamos à nossa fala? Falar é também se arriscar. Mas isso é conversa pra outro dia.

Nessa semana, na defesa da dissertação de mestrado de meu irmão, vi um dos professores que compunham a banca falar, em meio a tantos outros assuntos interessantes, sobre uma palavrinha aparentemente boba, cujo significado parece estar se multiplicando nos últimos tempos, a propósito do que disse eu no primeiro parágrafo.

Luxo. Há não muitos anos, se ouvíssemos tal palavra, penso que seríamos levados a pensar somente em produtos e serviços de alto valor agregado, locais ditos selecionados, viagens paradisíacas a locais em que só pisa um público taxado de diferenciado e por aí vai.

Claro que hoje luxo ainda designa tudo isso, não resta dúvida. Mas parece, ao professor que percebeu tal fenômeno e a mim que concordo com ele, que  esse vocábulo também está servindo para remeter a outros valores: afinal, silêncio, atualmente, também é luxo, um momento de paz é luxo, alguém que nos escute, conseguir escutar alguém, alimentação sem conservantes, exercício físico, hábito de leitura, saúde, sensação de segurança são alguns dos eldorados exemplos de hoje em dia.

E sabe o que é curioso em todos eles? Parece haver um retrocesso, uma volta no tempo, como se tivéssemos mesmo deixado o que era importante esquecido em algum momento de nosso percurso social. Caminhamos em direção a uma concepção de luxo e agora, talvez percebendo que não era exatamente o que almejávamos, estamos aqui, tateando a outra concepção, esquecida até então.

É nesse sentido que os empreendimentos atuais vendem condomínios com espaço zen, rodeados de árvores, em locais distantes da barulhenta vida citadina, com sala de leitura, campo de golfe e pista de cooper. É por isso que as pessoas mais esclarecidas clamam por uma cidade com mais ciclovias, com mais praças públicas bem cuidadas, sonham, enfim, com uma vida mais, mais... luxuosa, no fim das contas.

Talvez nossa felicidade, dessa forma, não passe de uma confusão terminológica: buscamos um dos significados da palavra. Não passa da hora de vivermos o outro?


Frase do dia:

"Nada é mais universal e universalizável do que as dificuldades."
Pierre Bourdieu

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