O mundo numa janela.


Quem dera, meu caro, quem dera o mundo coubesse numa janela. Nessa janela aqui, à minha direita, de onde sempre vejo a moça no prédio ao lado lavando roupa em sua área de serviço, embora hoje não o faça, já que domingo não é dia de trabalhos, de onde vejo uns poucos carros que interrompem a calmaria da rua, de onde ouço um cachorro que late em algum ponto invisível da vizinhança, e de onde vejo, aqui acolá, algo novo, atrativo, como uma briga de casal no prédio ao lado, o que, cá pra nós e que Deus nos perdoe, é ótimo de se ver, parece até que estamos num teatro em que somos os únicos espectadores, invisíveis, diga-se de passagem.

Mas não cabe. Quando sento para escrever, como faço agora, sei que o mundo está para além, muito além dessa insossa janela, da qual não se extrai, por mais hábil que seja o cronista, muito mais do que o descrito acima. Tenho então de ir adiante, fugir para outros mundos, para outras vidas, algumas passadas, mortas e enterradas, outras por nascerem, quando nem por aqui estarei mais, tenho de passear por outros tempos, alguns passados e imemoriais, outros futuros e obscuros, o que me traz à tona agora, nesse exato momento, uma feliz conclusão, a de que o cronista não passa de um viajante, um pobre porém privilegiado viajante, que da janela do seu quarto tem um mundo ao seu dispor, tem uma infinidade de escritos que passeiam pelos ares como se fossem o próprio vento, esperando que alguém os agarre e os traduza, dando-lhes cor, forma ou sabor.

Agora, por exemplo, corri, cruzei o Atlântico inteiro e fui parar em Santiago de Compostela, sí, sí, Santiago, mi señor, pois é de lá que me salta no peito uma saudade que me inquieta, que lateja forte como um recôndito coração bobeando sangue para uma cidade inteira. Se a janela não sacia, alivia. Às vezes.

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