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Mostrando postagens de 2015

Vida nas esquinas

Ainda há sensibilidade e esperança sendo plantada em várias esquinas de Fortaleza. Não sei quem teve a ideia, quem a executa, se são ações de um grupo ou manifestações de um poeta solitário, desconheço enfim a procedência do movimento, ignorância que fiz questão de manter. Não pus no Google "mensagens nos semáforos de Fortaleza" ou algo do gênero. Em casos assim, creio haver mais beleza na dúvida, afinal sempre um ponto de abertura para nosso imaginário, do que na convicção, para o bem e para o mal sempre um ponto de fechamento das possibilidades.  Refiro-me aos pequenos poemas estampados em várias esquinas da cidade, sempre perto de algum semáforo: estratégia aliás inteligente na medida em que capta a atenção de todos aqueles que aguardam o surgimento da cor verde para seguir seus caminhos.  Lembro-me apenas de dois desses poemas. Um deles nos presenteia assim: Sinal fechou? Lembra do cheiro dela . E o outro: Sinto muito por você, .  Assim mesmo, sem assinatu

Presença

Para que serve ficar longe de alguém que se ama? Serve pra medir a força do laço, a medida do querer. Reconhecer-se na ausência ou, mais que isso, perceber que ausência e presença se encontram e se diluem numa só palavra, existência. Talvez sirva pra isso, afinal, ver-se obrigado a estar longe: redescobrir que a pessoa existe. Existe num lado vazio da cama, numa música, em cada lembrança que vai se reavivando, memória colorindo-se uma vez mais. Te amo. (À Jessica)

Mediocremente

Sentou-se à mesa certo de que havia algo necessário a dizer. Era escritor, de pouco talento é verdade, mas naquele dia não foi o ofício que o impeliu à folha em branco.  Conhecia bem a sensação, embora ela não lhe ocorresse com frequência. Era uma tristeza plácida, lenta como o mundo há de ter sido um dia, uma ideia vaga mas segura de que o mundo é ruim, mas não acaba. Tristeza feito goteira num balde: bate, demora... bate, demora... O balde se dá à vista, porém quem o imagina pleno? Pôs uma música a tocar. Era mesmo a velha sensação que o punha a redigir: bastaram os primeiros acordes e as lágrimas, como que harmonizadas com a cena que ali se desenhava, desceram sem apuro, duas ou três.  Coceira na mente. A expressão não era sua, claro, lera em algum livro certa vez. Escritor medíocre. Um engodo na garganta, empenhava-se em dar-lhe substância, em conferir-lhe um conteúdo menos nebuloso, buscava uma metáfora de efeito, um resto de latim que lhe servisse, dicionários, anotaç

Amor

Se você tivesse de escolher uma cena, apenas uma cena que expressasse a ideia que faz de amor - aliás, para não corrermos o risco de escorregar nesta palavra, tão usada e por isso mesmo esvaziada: se tivesse de escolher uma cena que concretizasse ao máximo o querer-bem-a-alguém , o querer-estar-bem-de-junto-de-alguém , o querer-que-alguém-seja-feliz , que quadro criaria? Nos últimos tempos essa ideia ficou como que me circundando, me perscrutando, esperando ser atendido no consultório médico e lá estava eu, que imagem traduziria esse sentimento? Professor discursando em sala e eu, que cena, que cena, que cena? Eis que a resposta, a imagem - a qual, como certa vez disse Murilo Mendes em ensinamento a João Cabral de Melo Neto, é mais importante que a ideia , daí talvez minha fixação em encontrar a tal cena - me veio exatamente de quem já havia despertado a minha procura. Ela dormia. Creio que há não muito tempo, mas tempo já suficiente para parecer esquecida do mundo, dado

Por que escrever

Faz muito tempo que não escrevo com frequência, quase me assustei, agora, quando me dei conta de que já ia quase a completar um ano da última vez que me pus a escrever. Em todo o ano passado, somente por duas vezes segui esse ritual da folha em branco, do silêncio, do esvaziamento lento que me abre uma fresta, sim, uma fresta pela qual eu vejo. Um lugar, uma pessoa, uma lembrança?  Sim, em parte. Na sede de acalmar nossa cabecinha que tudo quer estabilizar, agarrar, nomear e que portanto não se conformaria, pondo os olhos pela fenda, em enxergar um mundo de coisas sem nome, acabo por ver lugares, pessoas, lembranças. Mas o que há mesmo, quando ponho os olhos pela fresta, sei que é um pedacinho de mim, e o resto  –  pessoas, lugares, lembranças  –  fica ali apenas rebuçando esse pedaço meu muito íntimo, que nem sei que forma tem. Nessas semanas meu amigo Lúcio me sugeriu que eu voltasse a escrever. Aceitei a sugestão e pra falar a verdade eu também já vinha há tempos me cobrand