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Mostrando postagens de dezembro, 2011

Três ilógicos algarismos

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Sabe quando você está olhando o que está ao seu redor da forma mais despretensiosa possível, sem esperar que nada de estranho, de incomum possa lhe atrair a visão naquele ambiente – e de repente é exatamente isso o que ocorre? Sua cabeça (e por consequência seu olhar) já tinha até mudado a direção, mas subitamente você tem de voltar os olhos pra alguma coisa que lhe pareceu anormal, só pra se certificar de que não está enlouquecendo, sabe como é? Pois foi assim que isto aconteceu comigo. Acho que faz uma semana: meu sobrinho e eu estávamos no shopping , onde eu tinha de ir pra comprar um presente, quando, já perto de irmos embora, passamos em frente a uma loja de roupa, uma dessas grifes caríssimas cujo nome só não vou citar pra não parecer que o negócio é pessoal. Na vitrine, estava o vestido, personagem principal desta crônica. Passei pela frente da loja a passos largos, mas ainda assim tive tempo de ver os três algarismos que, colocados discretamente na parte superior da vesti

"Cegos que, vendo, não veem"

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Sexta-feira passada, ao cair da noite e como de praxe, lá estava eu, correndo na praça perto aqui de casa. Enquanto ia me deixando levar por esse saudável exercício, passei a reparar nos infinitos carros que passavam pelas quatro movimentadas ruas que delimitam a tal praça, a qual tem formato retangular e ocupa uma quadra inteira. Observava não os modelos dos veículos, que pouco me interessam, mas sim um fato banal que de repente me assustou: praticamente todos os carros tinham seus vidros completamente escuros, negros como a noite que caía sem pedir licença. Assim, concluí como quem soma dois mais dois e descobre o resultado: criamos uma cidade em que, nesse trânsito caótico, as pessoas têm olhos mas já não veem. Uma cidade que em parte, ao menos no ilógico tráfego que enfrentamos diariamente, não se enxerga, afinal, não vê o outro. Nesse trânsito, de dentro dessas máquinas que imperam em nosso cenário urbanístico, vemos de tudo, exceto o que há de mais essencial e verdadeiro: o o

Saudade, feita de memória

Estava eu lendo uma crônica do ótimo escritor pernambucano Samarone Lima quando, em meio a tantas outras palavras que daquela vez excepcionalmente me passavam meio despercebidas, ele lançou esta frase – sutil, perfeita: "Toda saudade é feita de memória." Sim, claro que é, toda saudade é feita de memória. Mas as palavras são assim, às vezes o óbvio, desde que dito de forma sensível, de coração aberto, também se torna belo. Pois há simplicidade no belo, ou há beleza no simples, sei lá. O certo é que, depois que li essa frase, fui aos poucos me deixando invadir por um sentimento já conhecido – uma aprazível melancolia, um calmo e harmonioso distanciamento em relação ao tempo que chamamos presente. Como uma nuvem que vai passando sem pressa num lindo dia de sol, fui deixando ela me levar – ela, a saudade. Mas saudade de quê? Saudade do que vivi, do que fui, saudade de ter sido. Afinal, como certa vez, ainda que não exatamente com estas palavras, disse Caio Fernando Abreu, o

Ela, na lembrança

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Na mesma praça, de formato retangular e perto de minha casa, corríamos em direções contrárias — ela em sentido horário, e eu, anti-horário. Estávamos em direções opostas, e não poderia haver algo mais simbólico: nossas vidas, que nunca caminharam juntas, que nunca sequer se conheceram, que jamais se tangenciaram mundo afora, não dariam a mim, numa breve corrida, este brinde de caminharmos não juntos, mas ao menos na mesma direção. Assim, só nos cruzávamos vez por outra, quando passávamos um pelo outro. No entanto, foi na brevidade desses encontros que nasceram estas palavras, ainda que desconexas, desordenadas. Porque as palavras nascem não quando o escritor se põe diante de uma folha em branco, mas sim quando o sentimento surge, lá atrás: repentino, puro, inocente. É ali que as palavras, feito um bebê recém-saído do ventre materno, gritam, no mais animalesco sinal de vida. Gritam e logo depois somem, de modo que tudo o que um escritor faz é tentar ingenuamente descrever aquele ras