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Mostrando postagens de 2010

Cooper.

Há alguns meses, estava eu correndo (ou melhor, correndo não, fazendo um jogging , porque palavra americana transmite muito mais importância à frase) quando vi um casal fazendo aquela tradicional e sadia caminhada, os dois lado a lado, vindo em direção oposta à minha. Seria um casal como outro qualquer - desses que caminham juntos toda noite mesmo depois de dias provavelmente cheios de trabalhos e afazeres -, não fosse o curioso fato de eles estarem de mãos dadas. Porque casal fazendo cooper , a gente vê muito; e casal andando de mão dada, também, mas não fazendo cooper . E foi exatamente a junção dessas duas coisas que me chamou a atenção, surgindo-me como a mais simples, despretensiosa e ao mesmo tempo mais nobre, sensível prova de amor entre duas pessoas que naquele momento poderia existir. Caminhar de mãos dadas com seu namorado ou marido no shopping é - se tirarmos a parte carinhosa que há - mero cumprimento de formalidade. Cá pra nós, alguém que por acaso veja você andando no

Inquietação.

O vento frio, não frio, mas suave, que entra pela janela e quase sem querer me toca a pele, avisando-me que não estou só; o silêncio de uma noite serena de domingo, sossego quebrado somente pelos carros que vez por outra cruzam a rua, lá embaixo, sem que eu os veja aqui de cima; o olhar triste deste cronista incapaz, que espera do mundo, mundo que cala, dá de ombros, dele também esperando; tudo isso se aglomera, se aglutina, se - como diz o matuto - ajunta, e me entra peito adentro, lento, perfurante, dor lancinante, lá na alma. O passado, que no passado me trazia outras angústias, tenta ludibriar-me e surge, repentino, como uma época saudosa, querendo-me fazer crer que ali fui feliz. As lembranças que tenho da vida (todas elas, sem exceção!) misturam-se num molho denso, espesso, que paira borbulhante em minha mente, à espera de algo novo que tempere essa mistura, melancólica mistura, que é a vida. Não suporto a inquietação, ardor besta, insosso, sem explicação. De tudo, não espero nad

Brasil.

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Tem gente que, quando viaja (e não precisa ser pra muito longe, não), acaba por voltar do destino com a impressão de que tudo por lá é melhor, ou ao menos está caminhando pra ser. A cidade tende a ser mais limpa; o povo mais amigável; a comida mais gostosa; o transporte público mais eficiente; a segurança mais presente; e até as pessoas mais bonitas. O lugar pra onde a pessoa foi é, de longe, melhor que a cidade(zinha) em que ela vive. E se o destino tiver sido a glamurosa Europa ou os modernos Estados Unidos, então sai de perto, é crítica que não acaba mais em relação ao desgraçado Brasil, onde o tal cidadão só vai continuar a viver porque... é o jeito. Êta lugarzinho atrasado! Aqui nada funciona, é ônibus lotado, roubalheira na política, policial corrupto, sujeira na rua, hospital público (que no Brasil o adjetivo público já basta como qualificação de hospital), sem falar do calor, e do povo mal-educado, e feio, antes que esqueçamos. Tem gente que é assim. Viaja e a comparação é sem

Leitura da vida.

Uma vez, um dos ótimos professores de Português que tive durante a escola (este era inclusive poeta, e ainda é!, já que não morreu), Carlos Augusto Viana, disse pra turma toda, com sua voz pausada e grave, "Meu filho, preste atenção: você é o que você lê." A frase, à época, me chamou muito a atenção, tanto que hoje, mais ou menos cinco anos depois, fui buscá-la nos porões de minha memória para trazê-la até esta crônica. Você é o que você lê. Acho que a sentença até poderia ser melhorada: você é (também) o que você lê. Mas aceito o argumento, tá valendo. O interessante, no entanto, que neste momento acaba de me ocorrer, é que, contrariando a lógica da afirmativa, eu sei o que estou lendo, mas não sei o que sou. Ou, melhor ainda: no decorrer de minha vida, quanto mais fui lendo, menos fui sabendo quem era. As palavras têm dessas coisas mesmo, nós achamos que uma frase faz todo sentido (você é o que você lê), e aí, quando paramos para analisá-la um pouco melhor, quando a vemos m

No sítio.

Para afastar a solidão deste apartamento vazio, nesta tarde cinzenta em que mau se vê aquele azul do céu que abrilhanta outros dias, vou-me embora pro passado. Vou pro sítio, onde passava férias inteiras quando criança. A rotina era a mesma, e não podia ser melhor. Quem acordava mais cedo, entre primos e amigos que por lá também andaram, ia comprar o pão, de bicicleta, ainda cedinho, sol recém-nascido. No entanto, essa tarefa, em benefício de algumas horas a mais de sono, eu raramente cumpria, embora, ao acordar, houvesse entre todos um prêmio silencioso, uma leve inveja dos preguiçosos para com aquele que ia buscar o dito pão e que, na volta pro sítio, ao descer de bicicleta a ladeira que havia no caminho, desfrutava do imenso prazer de sentir no rosto o vento frio da manhã que ainda principiava. Depois, já por volta das dez horas, quando - além do disposto comprador do pão - todos estavam de pé, íamos à praia, dessa vez a pé, pois raramente havia bicicleta para todos. Agora, neste

A fruta.

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Tem palavra que tá no dicionário não sei pra quê. Foi criada sem necessidade, por alguém muito preguiçoso que, pra não ter o imenso trabalho de dizer que-não-está-feliz, preferiu formar um novo vocábulo e se dizer triste simplesmente, como se a tristeza fosse lá um estado especial, novo, com características peculiares. Bobagem. Tristeza não existe. O que existe é a felicidade, que você alcança ou não alcança. Sabe aquela fruta num canto alto do pé, que faz o camarada ficar pulando pra tentar alcançá-la? Pois é. Essa fruta é a felicidade. Tem gente que tem a incrível virtude de, sem esforço nenhum, esticar bestamente o braço e apanhar o tal fruto, levando-o para sempre consigo, num eterno estado de graça. É gente que alegra, que faz vibrar tudo o que está em volta, gente que sorri assim, pro mundo, que agradece. Há também pessoas que passam a vida saltando mais e mais forte, num esforço hercúleo em busca desse estado tão desejado, mas inalcançado, de tão alto que parece estar o fruto. E

O futebol.

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Nesta semana rodou os noticiários esportivos de todo o Brasil a imagem de um garotinho, torcedor do Palmeiras, que, na noite desta última quarta-feira, chorou e chorou copiosamente, para todo o Brasil ver. O riso, que, como diria Vinícius de Moraes, de repente se fez pranto, se deu depois da eliminação do time do menino na Copa Sul-Americama, quando o Palmeiras, com o jogo na mão, permitiu uma virada quase aos 40 do segundo tempo. A imagem do pequeno torcedor aos prantos nos braços da mãe (acolhedora, mas sem palavras) foi cortante, emocionante. Na quinta-feira de manhã, então, vi, no blog daquele que pra mim hoje é o melhor jornalista esportivo do País - Mauro Cezar Pereira -, um post belíssimo sobre a tal imagem e sobre como o futebol desde cedo nos oferece um dueto que - se aprende mais tarde - faz parte da vida: alegria extrema e tristeza profunda. Vitória e derrota. Riso e pranto. São coisas do futebol, coisas da vida. E a imagem da criança deu tanta repercussão no meio esportivo

O mundo.

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"Encontro com Mílton Santos: o mundo global visto do lado de cá" Esse é o nome do vídeo que vi agora há pouco, e que me deixou bastante decepcionado. Não com o vídeo, que é ótimo e que, dividido em dez partes, está disponível no Youtube; mas, sim, com o mundo. É incrível como a gente consegue tapar os olhos para aquilo que está aqui, ó, na nossa frente, e nós não percebemos; ou, se percebemos, já não nos sensibilizamos, o que é ainda mais lamentável. É desagradável chegar a nossos privilegiados ouvidos dados como o de que as 500 pessoas mais ricas do mundo têm mais dinheiro que as 416.000.000 mais pobres; ou que em 1990 um americano ganhava 38 vezes mais que um tanzano (quem?, tanzano?), enquanto hoje ganha 61 vezes mais; ou ainda que, dos U$178,00 pagos pelo consumidor por um paletó Liz Claiborne vendido nos Estados Unidos, somente U$0,74 vão para as mãos de quem, em El Salvador, o produziu. Constatada a lamentável situação, não tenho sugestões a dar, e tampouco me atrevo a

Causa e efeito.

Engraçado. Às vezes, parado, pensando num fato, num acontecimento qualquer, me vejo tentando esmiuçar as causas do tal acontecimento, o que é, cá pra nós, uma das maiores besteiras em que a cabeça da gente inventa de se meter. É como se a nossa mente, ou pelo menos a minha, num lampejo de estupidez, decidisse ir atrás exatamente daquilo que é mais difícil de se decifrar, já que nem sempre há causas para os fatos, ou talvez até causas sempre existam, embora muitas vezes, de tão obscuras, difusas, subjetivas que elas são, façam com que não as vejamos inteiramente. Mas a estupidez de minha cabeça em olhar para as causas (e não para os efeitos) se dá principalmente porque, se pararmos mesmo pra pensar, a vida, que tanto se diverte às nossas custas com esse eterno jogo de causas e efeitos, sabe, diferentemente de mim, bobo que sou, que os porquês de nada importam, eles fogem sorrateiramente e, se você demorar a procurá-los, talvez veja que eles já estão tão longe, mas tão longe, que nem val

Sábado.

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Deitar na cama sábado à tarde, sentir no rosto o contato do lençol macio, e velho. O seu preferido, que guarda, por trás da fragrância do sabão (agradável, sim, mas artificial), aquele cheiro que é seu, só seu, que hoje está lá, impregnado nesse pedaço de pano que parece não valer nada, e talvez não valha mesmo, não entremos nesse mérito. Depois, sentir o vento ameno que sopra nos seus pés, ver o sol ainda forte debruçar-se em algum canto do quarto, e sentir-se (depois da semana que, como sempre, passou rápido demais) pronto para fechar os olhos e esperar o sono, que não lhe deixa na mão e, condescendente, logo chega. Aí é acordar (devagar, muito devagar) às seis, ou às sete, quando você pretendia despertar às quatro, e se dar conta de, meu deus, como é bom, numa tarde de sábado, esquecer que horas são. Ficar na cama, uns quinze minutos, ou vinte (mas sem olhar no relógio!), pensando em nada, ou ao menos em nada que aqui caiba registro, esperando a preguiça dissipar-se para que você le

Princípio de Locard.

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Estava eu lendo um típico romance policial, daqueles que conseguem lhe prender a atenção do começo ao fim, quando o autor citou algo que me chamou muito a atenção, e olhe que definitivamente não é de um romance policial - sem desmerecer o gênero, que acho simplesmente fantástico - que eu espero frases das quais possa extrair algo para uma crônica como esta. O autor falou sobre o Princípio de Locard, que eu fui conferir e de fato existe, sendo considerado inclusive o princípio básico no qual a ciência forense se baseia. Segundo a tal ideia, que, como todo princípio, se baseia em um pensamento simples mas de grande profundidade, todo contato deixa uma marca. Portanto, todo criminoso, por mais hábil que seja, ao entrar em contato com a vítima, seguramente deixará nela algum rastro, porque é assim mesmo que funciona: quando duas pessoas se tocam, sem dúvida elas trocarão entre si alguma coisa. Suor, células da pele, impressões digitais, saliva, sêmen, sangue, pedaços invisíveis do tecid

O tempo.

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Fim de ano, e as luzes pro Natal começam a se acender mais uma vez, cidade afora. Junto com elas a lembrança impactante de que, meu Deus, o ano mal começou, já acabou. Ainda me lembro do Natal passado, do Réveillon passado, e poxa, os enfeites natalinos surpreendentemente já pipocam novamente por aí, obrigando-me a aceitar o fato de que, dessas lembranças pra cá, já se passou quase um ano, ou 12 meses, ou 365 dias, como preferir. Posso estar ficando velho e caindo no mesmo clichê que ouvia de meus pais quando eu era criança, quando diziam bestamente que "o tempo está passando rápido demais" Hoje, porém, não tenho argumentos para discordar deles, e por mais sem sensibilidade, sem poesia, que seja uma frase clichê como essa, só me resta assinar embaixo e concordar, incrédulo: o tempo voa. Voa e voa a cada minutinho passado pra trás durante o dia. Durante um dia, um diazinho, um dia qualquer. O engraçado é que nós às vezes, atabalhoados na correria do dia-a-dia, perdemos um

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Sorrateira, ela me chega novamente Noite tranquila, sono tardio E ela me chega, rastejando, feito uma cobra Vai se instalando no seu cantinho Ela, que noutros tempos, ao surgir Me estraçalhava, remoendo-me coração adentro Autoritária, seca Ah, como doíam suas visitas naquele tempo! Eu, jovem, não a compreendia Ela, velha, não se compadecia Hoje nos conhecemos Talvez um dia sejamos mais próximos Talvez Nos respeitamos, atualmente, e basta Às vezes, pela manhã ainda Percebo que à noite ela virá, inevitavelmente E então, mais tarde, absorvo-a Possuo-a Depois de ver o mundo dar umas voltas Entendi, enfim: Tal qual o músico e o violão Tal qual deus e o diabo A felicidade e a tristeza A mãe e o filho Eu preciso dela! Quem é ela? É a minha dor, é a minha saudade, meu senhor Ela, minha latente imcompreensão e angústia Minha busca tola por verbalizar o que é mudo Mastigar o que é líquido Ela, insistentemente... Ela. Frase do dia: "Quando mais nada resisti

Ela e ele.

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Ela acorda no meio da noite, assustada, estava sonhando com ele, sonhava que o tinha ainda em seus braços, e o beijava como antigamente, embora o antigamente faça apenas duas semanas, ou três, não sei, e o sonho era tão, mas tão real, que ela chega a lamentar ter sido só um sonho, embora no segundo seguinte tenha já mudado de lamentação, agora se entristece porque não aguenta mais, meu Deus, está completamente sufocada, coitada, não sabe o que fazer para parar de sonhar com ele, passa dias e dias tentando esquecê-lo, e quanto mais se esforça pra isso, mais se lembra do seu amor, agora ex-amor, que droga, não deveria ser ex-amor, mas sim sempre, sempre-amor, e ela se levanta, vai até a cozinha, bebe um copo d'água, nem estava com sede, mas, como já perdeu o sono, agora inventa o que fazer, liga a tevê, muda de canal, muda de novo, e se pergunta aonde ele está, o que estará fazendo, e sabe que seguramente está bem, com aquela felicidade inabalável, aquele sorriso lindo que não cansa

Youtube.

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Que a tecnologia nos faz cada vez mais dependentes dela, isso eu sei. Se falta internet no trabalho por um dia sequer, a empresa quase estanca. Se o celular descarrega e você precisa falar com alguém, é aquele desespero. Isso é ruim, a meu ver. Essa dependência quase vital em relação à tecnologia, sei não, pra mim é um tanto prejudicial a todos nós. Mas antes que me atirem uma pedra argumentando sobre os benefícios do avanço tecnológico a que chegamos, deixem-me dizer: não vim pra criticar. Ao contrário, vim pra falar de uma coisa boa que a modernidade nos trouxe. O nome do troço é Youtube. Visito esse site raríssimas vezes, mas um dia desses entrei lá e pude perceber como de fato nisso, no tal do Youtube, a tecnologia marcou um golaço. Ponto pra ela. Digo isso porque pude rever cenas de anos atrás, momentos que certamente eu só voltaria a assistir se um dia tivesse acesso aos arquivos de vários canais esportivos da televisão. Ou seja, sabe quando os veria novamente? Nunca. Pra ser m

Mitos.

Ídolos, mitos, espelhos. Quase todo mundo tem os seus, mas particularmente nunca fui muito partidário desse negócio de admirar uma pessoa sem nunca tê-la conhecido, às vezes sem nunca ter sequer chegado próximo a ela. Pra mim isso era bobagem, coisa de pré-adolescente que durante uma rápida (e intensa) fase ama o Michael Jackson e, tempos depois, no dia em que sabe de sua morte, reage como se tivesse acabado de saber que a inflação na Indonésia subiu 0,8%. Pois bem. Ídolo, com esse fervor adolescente, infelizmente nunca tive. E, pra mim, gente que, depois de velha, insiste nesse tipo de idolatria deus-no-céu-meu-ídolo-na-terra, me transmite de antemão um quê de imaturidade e de parcialidade que, se na adolescência são mais que naturais, na vida adulta me soam como um forte indício de limitação. Pode ser preconceito, eu sei, mas fazer o quê. No entanto, com o passar dos anos também me rendi e fui descobrindo meus ídolos, meus espelhos, embora, repito, sem esse negócio de ficar andando c

Escrever.

Tenho este blog, mas só falei de sua existência pra pouquíssimas pessoas. Tento escrever com certa regularidade, um texto por semana, mas até quando supero essa média, não saio anunciando aos quatro cantos. Ou melhor, a canto nenhum. Escrevo, mas não me atrevo a dizer pra (quase) ninguém. E não é que o que escrevo seja segredo, nada disso, leia quem quiser. Se segredo fosse, garanto: estaria em qualquer lugar, menos na internet . Pois é, é contraditório, também acho. E até pouco tempo atrás eu continuava assim, escrevendo sem entender exatamente o porquê de fazê-lo, tinha sempre algo na minha cabeça dizendo que não havia razões plausíveis para essa escrita sem leitura, e isso me inquietava um pouco, às vezes até me fazia crer que uma pessoa como eu, que escreve sem ter outra pra ler, era algo tão sem sentido quanto alguém cozinhar uma lasanha deliciosa para em seguida jogá-la inteirinha na lixeira, ou alguém adorar cantar mas só fazê-lo debaixo do chuveiro, ou ir pra Noronha sem dar um

Água gelada.

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Tem umas coisas, umas pequenas sensações, que realmente não têm preço. Ultimamente tenho ido correr depois da aula. Mesmo quando o dia é supercansativo e toda a minha vontade é de chegar em casa o mais rápido possível pra me jogar na cama que nem uma pedra, vou lá e corro fielmente meus três quilômetros (que por sinal vêm sendo feitos em cada vez menos tempo, com último recorde cravando no relógio 14 minutos e 40 segundos). Tudo bem, o local, que na hora do rush é assim de gente, à hora da noite em que eu posso ir já é um pouco vazio, quase ninguém, um cenário até um pouco melancólico, admito, mas que não deixa de ser, antes de melancólico, tranquilo, quase fazendo a gente esquecer aquele turbilhão de buzinas, barulhos, carros, construções e tudo o mais que atormenta a cidade até certa hora. Pois é, mas a parte boa, a das pequenas sensações, citada no primeiro período deste texto, vem depois da corrida. É chegar em casa cansadaço, completamente suado, exausto, com o corpo ainda quente

Triste, se me permite.

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"Porra, porque no mundo hoje é assim, você não pode ficar triste nunca, nem um momento sequer." Há alguns meses eu estava conversando com minha irmã quando ela, dando continuidade ao assunto que ela mesma já havia mudado umas trinta vezes durante a conversa, naquele típico diálogo em alta velocidade tradicional para as mulheres, soltou essa frase, que me surgiu como um raro estalo de sensibilidade e de sabedoria, dois substantivos que, ao que me parece, à medida que faltam na maioria das pessoas, sobram na pessoa de minha irmã. Mas, como vinha dizendo, a frase me pegou desprevenido e me pôs pela primeira vez de frente para esse fato, o fato de que realmente, hoje em dia - e digo hoje em dia, mas isso pode ser bem antigo - há uma certa proibição em ficar triste. Bom, é claro que as pessoas que gostam de você jamais vão querer ver você sofrendo, chorando pelos cantos e naquela deprê. Óbvio. Mas o que nos falta entender é que a tristeza, em dados momentos, faz parte de um proces

Pharmácias.

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60.000. Sessenta mil. E escrevo duas vezes mesmo, uma em numeral e uma por extenso, pro impacto ser maior. Esse é o número médio de farmácias que temos hoje em nosso país. Já pensou? É farmácia que não acaba mais, meu filho. Você já percebeu que nas grandes cidades brasileiras tem praticamente uma a cada quarteirão? Esse fato, a coisa de que cada vez mais se multiplicam as Pague Menos por aí, isso eu, assim como você, já sabia. Mas curiosamente, ontem, assistindo a uma entrevista da Marília Gabriela com o atual ministro da saúde, José Gomes Temporão, quase me assustei quando ele mencionou a tal quantidade. Me soou como se no sábado existissem umas parcas e pobres farmácias no país, e aí, como num passe de mágica, shazan, domingo lá estão 60.000 estabelecimentos vendedores de picanha, sorvete, Havaianas , chocolate, biscoito, brinquedo e até remédio, que eu quase esqueço. Me parece que boa parte do povo brasileiro tá entrando na paranoia de tomar remédio a torto e a direito, o que é, a

Machismo.

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Ei, você, mulher. Você acha o mundo machista? Sente indignação ao saber que que a cada dez segundos - ou quinze; não lembro exatamente a estatística - uma mulher é agredida no Brasil? Se incomoda com o fato de que as mulheres são arrasadora minoria nos altos cargos das empresas privadas no nosso país? Já percebeu que, nos restaurantes, quase sempre o garçom se dirige ao homem da mesa, e não à mulher? País machista, né? Viva o feminismo e os direitos iguais. É assim que você pensa? Pois me permita lhe perguntar, mademoiselle . Você, defensora desses direitos iguais, depois de ficar com um cara, alguma vez pediu o telefone dele e ligou pro tal dias depois chamando-o para sair, ao invés de esperar ele fazê-lo? Não, né? Mas aí seria demais, obviamente. Direitos iguais, mas nem tanto. Pois é. Agora me diz, mulher de deus. Como é que você se indigna tanto com o primeiro parágrafo, mas acha tão fora do normal o que é proposta no segundo? Ah, mas é diferente, você deve estar me dizendo neste e

Além do bem e do mal.

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Tinha tempos que eu procurava, ou melhor, não procurava exatamente, mas lamentava a falta de alguém que escrevesse crônicas do modo como gosto, do modo como intento escrever, ou, como disse - eu acho - Clarice Lispector, do modo que mais me toca, já que, segundo ela, um livro não é bom ou ruim. A questão é se ele lhe toca ou não, e o fato de possivelmente não lhe tocar não implica a conclusão de que seja ruim. Ele só não lhe tangencia, não lhe atinge, seu santo não bate com o dele, mas provavelmente bate com o de alguém por aí, ora. A propósito, por falar em bom e ruim, acho que já passou da hora de deixarmos essa bobagem de rotular tudo e todos com esses dois adjetivos tão sem profundidade, tão limitados. Me desculpem, mas essa foi, a meu ver, uma das lamentáveis heranças implicitamente deixadas pela Igreja (e não estou a afirmar que não houve também gratas heranças). Sim, sim, pela Igreja. Isso de ser, sem mais rodeios, bom ou ruim, sem outra opção. Ou é pecado ou não é. Ou é de Deus

Querer não é escrever.

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É bobagem imaginar, como eu acreditava até pouco tempo atrás, que quem escreve escreve somente o que lhe convém. Mentira, quem diz isso. Tudo bem, é claro que muitas vezes o camarada consegue sentar e dissecar o assunto que lhe der vontade, mas, hoje sei, nem sempre é assim. Se assim fosse, essas linhas, ao invés de estarem a afirmar todas essas frases cada vez mais repetitivas e cansadas de si mesmas, estariam, eu garanto, falando sobre este domingo lindo de sol, ou sobre o meu Fluzão que só me dá alegria. Mas não dá. Não consigo falar sobre esses temas. Se eu me metesse agora a falar do meu time, não conseguiria traduzir nem de longe a alegria de vê-lo jogar, de ver um Maracanã lotado por 60.000 vozes cantando sem parar. Se fosse falar do domingo de sol, não sei, acho que diria, com muito penar, "Hoje é domingo. E é de sol.". E pararia por aí, sem mais inspiração. É mesmo duro saber que nem sempre a gente consegue escrever o que deseja, o que nossa cabeça quer, é como se ti

No alto dos últimos anos.

Se por aí, um dia, no alto de meus últimos anos, me perguntares se amigos eu tive, responderei que tive, sim senhor, nem que para isso tenha que passar o fim dos meus tempos a me remoer, a acertar as contas com a dura e triste verdade de que, como disse, tive, sim senhor, mas não me lembro, que porra, com o tempo é assim mesmo, vão se perdendo as cores, as formas, os detalhes, e as histórias vão se sumindo aos poucos, se diluindo em vagas e abstratas lembranças, de forma que, quando chega um certo dia, sem que você perceba e contra a sua vontade, só lhe restará uma resposta, aqui no caso se tive ou não tive amigos, e a minha, repito, será que tive, sim senhor, mesmo sabendo que a resposta não estará alicerçada pela vastidão de memórias que me fizeram responder com tanta convicção, pois essas memórias foram todas consumidas, sugadas por amizades verdadeiras como um fogo que consome toda a lenha, deixando somente as cinzas, cinzas de amizades verdadeiras, risos amigos, choros contidos, p

Biografias perdidas.

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Vez por outra gosto de ler uma biografia, dessas de gente famosa, não necessariamente alguém que eu admire, simplesmente vou lá, escolho um desses personagens que ganharam fama e que quase da noite pro dia, como se fossem diferentes de você ou de mim, se viram na privilegiada condição de não só se esbaldar em vaidade com um livro cuja história pertence unicamente a ele, como ainda de poder cobrar para que nós, reles mortais, tenhamos o direito de saber o que foi que esse tal cidadão fez da sua bendita vida, como se nós tivéssemos alguma coisa a ver com isso. Pois é. Contradições à parte, vou lá e leio a história do camarada de cabo a rabo. Brincadeiras deixadas de lado, é claro que normalmente são histórias extremamente interessantes, envolventes, algumas com uma mistura de tragédia e comédia pra deixar qualquer um na dúvida entre rir ou chorar. Os caras de fato fizeram escolhas atípicas na vida e, talvez exatamente por isso, somando-se aí uma boa pitada de sorte, talento ou sabe-se lá

Ao mesmo tempo.

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É dessa melancólica janela que me sopra um vento frio, que me gela o corpo mas me esquenta a alma, vento que traz ideias ainda disformes, desconexas, descoloridas, que ele coleta nos cantos por onde passa e me entrega aqui, por esse vão na parede, dando-me a missão de transformar em produto acabado esse monte de matéria-prima que ele juntou mundo afora. Vento insensível, chega sem dar boa noite e sai sem perguntar se preciso de ajuda, e aqui fico, muitas vezes a contragosto, sem saber por onde começar, pois vejo que, da minha janela pra lá, muita coisa aconteceu, e, devo lembrar, o vento, junto com todos esses fatos jogados na bancada, deixou somente um recado, dizendo que todos os acontecimentos se sucederam rigorosamente ao mesmo tempo. E, de tudo o que tenho à minha frente agora, o que mais me impressiona é exatamente o tal recado deixado, afirmando que tudo isso aconteceu simultaneamente. Como pode, tanta felicidade e tanta tristeza juntas, num mesmo mundo, ao mesmo tempo, parece a

Na frente da escola.

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Todo dia eu tenho a sorte, pequena sorte, de passar em frente a uma escola. Parece bobagem, eu sei, mas, se dizem que é do fato simples, rotineiro, que se nasce uma crônica, eis aqui o meu. Paro no semáforo, na volta do trabalho, mais ou menos meio dia, sol quente, ligo o ar condicionado, mas não adianta, lembro que o carro passou horas no sol, o bafo que sai do ar condicionado ainda é quente, se ponho no mínimo, vai demorar pra esfriar, se coloco no máximo, parece que vou derreter. Deixo no máximo mesmo, pouco tempo já tá esfriando. Olho pra frente e vejo crianças atravessando a faixa de pedestre, indo em direção ao carro do pai ou da mãe, que espera do outro lado. Crianças bonitas, lindas. Lembro de mim, quando era pequeno. Saudade, muita saudade. Lembro dos meus amigos do colégio, quando crianças que nem eu, lembro que boa parte deles ainda são meus amigos, meus melhores amigos. Ainda bem. Fico imaginando quantos anos tem aquela menininha linda, que tá se despedindo de uma amiga e e

Palavra pouca, sentimento muito.

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Outro dia eu estava mexendo numas fotos, organizando uns álbuns da infância até pouco tempo atrás, quando me surgiu uma dessas ideias meio malucas, aparentemente sem nexo, as quais, de tanto nos martelar, acabam por nos jogar num quarto vazio, com uma folha em branco na bancada, uma caneta na mão e uma lua cheia linda na janela, como se desse cenário o escritor pudesse, simples como num passe de mágica, traduzir em palavras o mundo de sentimentos que o inquieta, ou seja, como se desse cenário fossem invariavelmente surgir todas as palavras necessárias ao escritor para que ele, cumprindo dignamente o seu papel, desse, digamos assim, forma gráfica àquilo que o aflige, e logo pudesse se levantar dali e ir dormir, ou ir ver a lua lá fora, ou seja lá o que for. Mas é aí que, muitas vezes, depois de algum bom tempo sentado vendo a folha ainda em branco, o tal escritor se depara com um muro imenso à sua frente, e é neste exato momento que ele faz, ainda incrédulo, a maior e mais dolorosa d

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Se me vires a chorar, Não me venha lá com pena Um dia hão de se apagar As lágrimas, que dilema Mas se me vires num bar A beber, talvez sorrir Não venha cumprimentar Tal se a dor fosse sumir Portanto, não me conclua Me deixe só, pela rua Noite d'sol, dia de lua Se foi em vão que me entreguei? Não, eu sei. É assim que vejo Todo o bem que eu traguei. Frase do dia: "Entrego-me às palavras como o silêncio ao deserto." Carlos Augusto Viana

Ponto de interseção.

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Guardo carinhosamente na lembrança imagens de pessoas das quais nunca fui realmente amigo, das quais nunca fui muito próximo, mas que curiosamente me transmitem uma sensação muito, mas muito boa. É difícil de explicar, mas para isso mesmo é que servem as palavras, eu sei, e talvez ao final deste conjunto ainda desordenado de vocábulos eu consiga dar, digamos, forma gráfica a essa sensação de carinho, de querer bem, que, como disse, levo em relação a algumas pessoas que felizmente a vida me apresentou e infelizmente me distanciou, mas aí vai de cada um, muitos certamente se lamentarão por uma proximidade que poderia ter sido maior, por uma amizade que ali poderia ter nascido e esse tipo de pensamento, mas eu não, prefiro ficar com essa gostosa sensação de que conheci essas pessoas, isto é, em algum momento nossas vidas, como duas linhas retas desenhadas num papel, cruzaram-se, cruzaram-se e continuaram em suas respectivas direções, deixando de presente um ponto de interseção no meio d

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Desde que o mundo é tal mundo Lateja num peito uma dor Talvez que ninguém entenda Nem precisa, já passou Num sorriso vão se esconde Até encontrar pela cama Uma lágrima bem tímida Nascida assim, feito uma flor Vai passando, passa logo Não demora vem manhã Some a chama, se acalmou Muito obrigado, digo eu Do que lá seria um poeta Se a ele não lhe chega a dor? Frase do dia: "A vida é um jogo de tênis entre opostos polares. Vencer e perder, amar e detestar, abrir e fechar. É útil reconhecer esse fato doloroso desde cedo. Depois, reconheça os opostos polares em seu íntimo e, se não conseguir acolher os dois, ou reconciliá-los, pelo menos aceite-os e siga em frente. A única coisa que você não pode fazer é ignorar a existência deles." Andre Agassi

Um olhar para o mar.

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Tem sido sentado, sozinho, e que não se entenda aqui solitário, com os pés descalços a pisar na areia úmida da praia, a olhar aquele mar lindo, de um verde muito claro, ou de um azul muito escuro, a depender da vontade com que a natureza acordou, que tenho me encontrado, me equilibrado, me descoberto, e ficado em paz, nada mais que em paz, ali, de frente para o mar, consigo quase ficar sem pensar em nada, ouvindo o ir e vir das ondas, olho pro horizonte, que nada me traz e também nada me pergunta, e isso tem me bastado, a falta de perguntas e a ausência ainda maior de respostas, que isso deve ser mesmo a vida, ausência de sentido, ou sentido demais para um jovem de vinte e poucos anos, é como se o mar olhasse para mim e dissesse, 'Tenha calma, rapaz, não se afobe, verá muito ainda por aí, aprenderá um bocado ainda, nem eu sei o que te espera, mas de certo muita coisa ainda esses teus olhos verão, e esses ouvidos escutarão, e essa cabeça e essa boca e tudo o mais, o certo é que, rep

Estrada.

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Não consigo apontar um porquê, mas todas as vezes em que me pego, como se diz, pensando na vida, me vem à cabeça a imagem de uma estrada. Isso mesmo, uma estrada. E é a partir dessa imagem, dessa abstração, que algumas duras conclusões vão naturalmente surgindo em meus pensamentos como se fossem o sol, que todos os dias surge, lenta mas claramente, para quem quiser ver. E essas conclusões, como vinha dizendo, me dizem que a vida é precisamente essa estrada, que tem sentido único, e não só sentido, mas também mão única, como se não houvesse espaço para ultrapassagens, cada um e cada coisa a seu tempo, não adianta se apressar aqui ou acolá, todos chegarão ao fim do caminho, uns mais cedo, outros nem tanto. E a tal estrada, que, como já disse, aqui representa a vida, sempre se me apresenta com placas muito claras dizendo que não, meu caro, aqui não se permite, jamais, um recuo, uma volta, nela só se segue, segue e segue, impiedosa e incansavelmente. O que ficou para trás que se guarde na