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Mostrando postagens de dezembro, 2010

Cooper.

Há alguns meses, estava eu correndo (ou melhor, correndo não, fazendo um jogging , porque palavra americana transmite muito mais importância à frase) quando vi um casal fazendo aquela tradicional e sadia caminhada, os dois lado a lado, vindo em direção oposta à minha. Seria um casal como outro qualquer - desses que caminham juntos toda noite mesmo depois de dias provavelmente cheios de trabalhos e afazeres -, não fosse o curioso fato de eles estarem de mãos dadas. Porque casal fazendo cooper , a gente vê muito; e casal andando de mão dada, também, mas não fazendo cooper . E foi exatamente a junção dessas duas coisas que me chamou a atenção, surgindo-me como a mais simples, despretensiosa e ao mesmo tempo mais nobre, sensível prova de amor entre duas pessoas que naquele momento poderia existir. Caminhar de mãos dadas com seu namorado ou marido no shopping é - se tirarmos a parte carinhosa que há - mero cumprimento de formalidade. Cá pra nós, alguém que por acaso veja você andando no

Inquietação.

O vento frio, não frio, mas suave, que entra pela janela e quase sem querer me toca a pele, avisando-me que não estou só; o silêncio de uma noite serena de domingo, sossego quebrado somente pelos carros que vez por outra cruzam a rua, lá embaixo, sem que eu os veja aqui de cima; o olhar triste deste cronista incapaz, que espera do mundo, mundo que cala, dá de ombros, dele também esperando; tudo isso se aglomera, se aglutina, se - como diz o matuto - ajunta, e me entra peito adentro, lento, perfurante, dor lancinante, lá na alma. O passado, que no passado me trazia outras angústias, tenta ludibriar-me e surge, repentino, como uma época saudosa, querendo-me fazer crer que ali fui feliz. As lembranças que tenho da vida (todas elas, sem exceção!) misturam-se num molho denso, espesso, que paira borbulhante em minha mente, à espera de algo novo que tempere essa mistura, melancólica mistura, que é a vida. Não suporto a inquietação, ardor besta, insosso, sem explicação. De tudo, não espero nad

Brasil.

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Tem gente que, quando viaja (e não precisa ser pra muito longe, não), acaba por voltar do destino com a impressão de que tudo por lá é melhor, ou ao menos está caminhando pra ser. A cidade tende a ser mais limpa; o povo mais amigável; a comida mais gostosa; o transporte público mais eficiente; a segurança mais presente; e até as pessoas mais bonitas. O lugar pra onde a pessoa foi é, de longe, melhor que a cidade(zinha) em que ela vive. E se o destino tiver sido a glamurosa Europa ou os modernos Estados Unidos, então sai de perto, é crítica que não acaba mais em relação ao desgraçado Brasil, onde o tal cidadão só vai continuar a viver porque... é o jeito. Êta lugarzinho atrasado! Aqui nada funciona, é ônibus lotado, roubalheira na política, policial corrupto, sujeira na rua, hospital público (que no Brasil o adjetivo público já basta como qualificação de hospital), sem falar do calor, e do povo mal-educado, e feio, antes que esqueçamos. Tem gente que é assim. Viaja e a comparação é sem

Leitura da vida.

Uma vez, um dos ótimos professores de Português que tive durante a escola (este era inclusive poeta, e ainda é!, já que não morreu), Carlos Augusto Viana, disse pra turma toda, com sua voz pausada e grave, "Meu filho, preste atenção: você é o que você lê." A frase, à época, me chamou muito a atenção, tanto que hoje, mais ou menos cinco anos depois, fui buscá-la nos porões de minha memória para trazê-la até esta crônica. Você é o que você lê. Acho que a sentença até poderia ser melhorada: você é (também) o que você lê. Mas aceito o argumento, tá valendo. O interessante, no entanto, que neste momento acaba de me ocorrer, é que, contrariando a lógica da afirmativa, eu sei o que estou lendo, mas não sei o que sou. Ou, melhor ainda: no decorrer de minha vida, quanto mais fui lendo, menos fui sabendo quem era. As palavras têm dessas coisas mesmo, nós achamos que uma frase faz todo sentido (você é o que você lê), e aí, quando paramos para analisá-la um pouco melhor, quando a vemos m

No sítio.

Para afastar a solidão deste apartamento vazio, nesta tarde cinzenta em que mau se vê aquele azul do céu que abrilhanta outros dias, vou-me embora pro passado. Vou pro sítio, onde passava férias inteiras quando criança. A rotina era a mesma, e não podia ser melhor. Quem acordava mais cedo, entre primos e amigos que por lá também andaram, ia comprar o pão, de bicicleta, ainda cedinho, sol recém-nascido. No entanto, essa tarefa, em benefício de algumas horas a mais de sono, eu raramente cumpria, embora, ao acordar, houvesse entre todos um prêmio silencioso, uma leve inveja dos preguiçosos para com aquele que ia buscar o dito pão e que, na volta pro sítio, ao descer de bicicleta a ladeira que havia no caminho, desfrutava do imenso prazer de sentir no rosto o vento frio da manhã que ainda principiava. Depois, já por volta das dez horas, quando - além do disposto comprador do pão - todos estavam de pé, íamos à praia, dessa vez a pé, pois raramente havia bicicleta para todos. Agora, neste

A fruta.

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Tem palavra que tá no dicionário não sei pra quê. Foi criada sem necessidade, por alguém muito preguiçoso que, pra não ter o imenso trabalho de dizer que-não-está-feliz, preferiu formar um novo vocábulo e se dizer triste simplesmente, como se a tristeza fosse lá um estado especial, novo, com características peculiares. Bobagem. Tristeza não existe. O que existe é a felicidade, que você alcança ou não alcança. Sabe aquela fruta num canto alto do pé, que faz o camarada ficar pulando pra tentar alcançá-la? Pois é. Essa fruta é a felicidade. Tem gente que tem a incrível virtude de, sem esforço nenhum, esticar bestamente o braço e apanhar o tal fruto, levando-o para sempre consigo, num eterno estado de graça. É gente que alegra, que faz vibrar tudo o que está em volta, gente que sorri assim, pro mundo, que agradece. Há também pessoas que passam a vida saltando mais e mais forte, num esforço hercúleo em busca desse estado tão desejado, mas inalcançado, de tão alto que parece estar o fruto. E