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Mostrando postagens de 2012

Letras que amolecem

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Quase dois meses distante da escrita: um longo tempo pra quem, como eu, encontra nas letras uma maneira, talvez a mais eficaz delas, de apreender o mundo. Não todo o mundo, que afinal é sempre grande demais pra de repente ser compreendido – mas o meu mundo. Durante esses dias, vivendo sem apalavrar o meu rededor – expressão hispânica que do ponto de vista sonoro me agrada bem mais que o nosso equivalente, redor –, senti minha mente às vezes se embaraçando, meus pensamentos se emaranhando uns nos outros, minha vida aos poucos se tornando líquida, como uma pedra de gelo esquecida sobre a mesa: fui derretendo, perdendo solidez, consistência – eram meus pensamentos escorrendo por entre minhas próprias mãos. Mais que isso e pior que isso: senti me desumanizando. Se meus pensamentos iam, como disse no parágrafo anterior, se liquefazendo, eu ia me endurecendo. A princípio quase concluí que houve então uma contradição: parte de mim se liquefazia, outra, enrijecia. Mas não: a relação é

Medo, mais que da morte, da vida

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Você tem medo? Foi essa a pergunta, apenas aparentemente despretensiosa e que se referia à vida em geral, que um dia desses minha namorada me fez enquanto conversávamos acho que sobre as dificuldades, os anseios que estavam atormentando a mim ou a ela, também já não lembro ao certo. Acho que pensei um pouco antes de responder – aliás, está aí algo que às vezes acaba por me fazer mal, embora seja esta igualmente a maneira que encontro de me sentir bem: pensar. Pensar antes de falar, pensar antes agir, pensar depois de ter agido ou mesmo sem nada ter feito: penso para evoluir, mas como pensar sem me doer? – e lhe disse que sim, que tenho medo da vida, que isso deve ser coisa meio do ser humano até. Não que eu tenha me arrependido da resposta, pelo contrário, mas acho que ela não foi suficiente, havia algo mais por dizer, e é por isso, será sempre por isso, que volto a escrever: para tentar exprimir o que não foi de todo dito, para repisar o terreno já batido, escrevo para correr

Substantivo manso

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Amor é substantivo manso, é oceano azul num domingo preguiçoso e tardio. Amar alguém não tem odor forte de perfume importado – o amor, se debruçado for, tem cheiro puro de banho recém-tomado, ou de lavanda suave, discreta e boa. O amor não é vermelho como dizem, aliás que pecado pintá-lo de tão gritante, urrante cor. O amor... que cor tem o amor? Pode ser bege ou azul clarinho, feito céu de antigamente. Talvez marrom amadeirado forte, a lembrar móvel pesado e antigo de casa de vó, assim confortando o olhar. Mas vermelho, não. Também não gosta de música alta, mesmo que nela se afirme contundentemente eu te amo, eu te amo, meu amor. Aliás, quanto mais alta e incontestável a canção, mais dela duvida o danado do amor. Por outro lado, alteia o silvo do vento, o cantar dos pássaros, o ranger compassado da rede que balança na varanda – e aí terás o amor em forma de som. Assim, é difícil escutá-lo em meio ao caos da cidade grande: quanto mais carros menos amor, quanto mais prédios

Um lápis

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Foi numa dessas tardes amenas, céu azul aberto quase sem nuvens, sol brando que em nada incomodava, antes suavizava – era um dia assim, como outro qualquer. Um dia tão bobo, que me dei conta de que precisava comprar um lápis, se é que ainda há lápis neste mundo moderno repleto de notebooks , iphones , ipads e outras parafernálias que felizmente desconheço: um mundo que já não nos permite ver a letra do outro, um mundo para o qual temos todos a mesma caligrafia, fria e imparcial. Como esta com que escrevo agora. Aos poucos, durante aquela tarde serena que certamente me deixou mais sensível, fui sendo tomado por uma vontade tola: eu queria comprar um lápis. Já não seria feliz enquanto não me apossasse desse objeto simples, de vida pacata mas espírito radiante: em meio a nós que o ignoramos, um lápis ainda é capaz de projetar os sonhos mais lindos, e essa possibilidade de repente me encheu a alma, eu precisava de um lápis urgentemente, queria naquela tarde escrever um mundo novo

Para trazer um pedacinho de si

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Que de mais importante se traz de uma viagem para onde se partiu sozinho, rumo a lugares até então desconhecidos? Fotos, presentes, um pouco de conhecimento da cultura local? Penso que não. Faz umas duas semanas que voltei de mais um solitário mochilão por aí: pelo novo, pelo desconhecido. Ao retornar, naturalmente as pessoas mais próximas e que ficaram sabendo de minha última empreitada me indagaram como foi a viagem. Sei que sou muitas vezes excessivamente tímido e inseguro pra falar, mas senti que em relação a essa pergunta, por mais bem articulado que fosse, jamais conseguiria transmitir com precisão a vastidão de sentimentos aparentemente bobos que nos invadem quando passamos algum tempo, pouquinho que seja, longe de casa, de nossa cama, de nossos cheiros. Longe de nós mesmos, afinal. Assim, senti que em nenhum momento soube responder uma pergunta tão simples: como foi a viagem? Pois como explicar que a melhor lembrança que tenho de determinada cidade é o olhar sorridente

O peso sobre nossos ombros

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Espero não ser mal entendido com o que vou dizer. O tema é delicado, danado pra dar polêmica, de modo que vou tentar ser mais cuidadoso com as palavras. De um mês pra cá, com a partida de minha avó paterna, fui a três missas (uma no dia do sepultamento, uma a que chamamos de sétimo dia e outra contado um mês de seu falecimento), um recorde que não batia desde os tempos de criança, quando eu ainda não era, como talvez digam os mais fiéis mais inveterados, um caso perdido, e acompanhava minha mãe todos os domingos em suas idas a esse tipo de cerimônia. Pois nessas três recentes ocasiões me chamou atenção como durante uma missa somos levados a concordar com a ideia de que somos muito, mas muito pecadores. E aqui vem minha primeira ressalva: não estou aqui com intuito de criticar a igreja católica ou qualquer outra que seja, tampouco de reivindicar que as religiões modifiquem suas concepções, longe de mim tal proposição. As religiões e suas respectivas doutrinas estão aí, cada qu

Julgamento

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Vez por outra me parece que o homem, enquanto espécie quero dizer, acabou por tomar um rumo disparatado, ilógico, estúpido mesmo, o que pra mim na verdade não teria nenhum problema – desde que esse tal rumo fosse reconhecido por nós exatamente assim: disparatado, ilógico, estúpido. Desde que reconhecêssemos em nós o equívoco em que nos metemos. Mas muitas vezes não é assim que sucede, e nós continuamos evitando nos olhar no espelho, nos esquivando de cutucar nossas feridas, de questionar que diabos de espécie, ou de sociedade, ou de vida, chame-se lá como for, foi esta que (des)construímos. Já cansei de escrever, o que dirá de pensar, sobre isto. Mas, se até García Márquez certa vez falou – não lembro onde, mas acreditem, ele disse mesmo – que um escritor só escreve um livro na vida, os outros são somente variações deste que é o principal, se até ele disse isso, num tom provocador é claro, me sinto mais à vontade pra abordar este meu tema que é o mesmo, se mudo as palavras aqui

Sutil, em benefício dela

Poucas vezes em minha ainda curta vida vi um ato tão amoroso. Sutil, discreto, para muitos uma banalidade que pouco ou nada significou, mas a mim pouco importa: eu gosto das banalidades, o essencial da vida reside mesmo é lá – no banal, no sutil. Imagine: sua mãe vive os últimos dias de vida, não há mais como lutar contra uma doença mesquinha que, hora a hora, dia a dia, suga dela um tantinho mais de sua força. Não, ela não está num leito de hospital: a família, num ato louvável de humanidade e ciente de que não havia mais o que fazer, poupou-a das paredes brancas  e dos olhares cientificamente indiferentes de médicos especializados. Assim, ela estava em sua cama e certamente feliz com isso, porque, quando não há mais remédio que nos chegue, é a ela que recorremos como último medicamento, ou talvez, repensando a sentença, talvez ela seja o primeiro, e não derradeiro, remédio que sempre buscamos. Vendo assim que sua mãe está morrendo (veja que eu não disse vendo que sua mãe vai

Ela se foi

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Eis um pecado da natureza: fazer que os cachorros vivam menos que os homens. Ou melhor, até: fazer que os bichos de estimação quase todos tenham vida tão curta a ponto de normalmente partirem antes que seus donos. Vejamos se não há aqui uma incoerência: vemos um ser nascer, damos-lhe um nome, colocamo-la nos braços, educamo-la de modo que ela aprenda a fazer silêncio quando necessário e a tratar sempre bem as visitas que lhe afagam a cabeça – e, quando completa 15 aninhos de vida (uma criança, um futuro inteiro pela frente...), taxamo-la de velha e nos preparamos conformados para sua morte que se avizinha. A natureza, esta mesma que dizem justa e defensora do equilíbrio, regeu sem preocupação dois destinos e fez uma mãe enterrar uma filha – não há nada de errado nisso? Não, não era tua hora ainda, Tequila, querida nossa. Tu já eras peça importante, que em nada destoava (antes consonantava...) dentro do sítio Jucurutu. Há quem diga, eu inclusive, que já estavas a sofrer

O que dista da arte para o artista

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Outro dia li algo a respeito, e concordei sem titubear: há uma diferença, por vezes grande, entre a arte e o artista, entre o mundo gentil que o escritor eventualmente recria quando diante de uma página em branco, e o gesto egoísta do qual – na posição de cidadão comum, de homem (ci)vil – ele às vezes não consegue escapar. Porque a meu ver são entidades distintas a do Vinicius de Moraes que escreveu o Soneto de separação e a que talvez todas as manhãs saísse pra comprar pão perto de sua casa. Este exemplo não é dos melhores, pois penso que o Vinicius talvez tenha sido um escritor nosso dos que mais aproximou sua vida de sua arte, no sentido de que tanto sua biografia de homem civil quanto sua trajetória literária foram vividas intensa e apaixonadamente. Noutros termos: o Poetinha não cabe tão bem como exemplo do paradoxo(?) em que caem tantos homens quando confrontados com suas artes por uma razão simples: porque ele teve o mérito, diria até a felicidade, de ter conseguido aprox

O prazer que (por ora?) desfaleceu

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Que faz um ator que perde o encanto de estar no palco, que sentido há num músico que já não se sente tocado pelos sons, que sustenta um atleta a quem não mais atrai competir? Ou ainda: que faz um cronista que se desencantou com o colorido da vida? Esmorece, míngua. Aos poucos. Vai perdendo a vontade de sorrir, até que já não sorri mais, mesmo quando julga que deveria; vê-se amargando por dentro, lentamente, feito serpente a envolver um rato indefeso e branco; sente-se afastando do mundo como se este não lhe dissesse respeito, ou como se a insignificante parte que lhe coubesse – escrever – não mais lhe atraísse. Ah, pobre cronista que padece desse mal...! Escurece-lhe vista, obstrui-se-lhe o peito, seca-lhe a vida: o mundo, até outro dia fervilhante e esperançoso, torna-se gélido, cortante. Vale a pena continuar escrevendo? Acaso sim, escrever sobre o quê: um mundo colorido que não lhe chega mais aos olhos, portanto insistir numa escrita que não lhe soa mais verdadeira,

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É triste, mas estou sem tempo para os devaneios do blog . Não sumirei de vez, mas os escritos serão mais raros.

Vou-me embora pra infância

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Faz algumas semanas, era um sábado de manhã, e a escola em que eu estudei até meus dez anos, na qual desde então não voltara a pisar, estava literalmente de portas abertas – aliás, alguma vez elas me estiveram cerradas? Ninguém na portaria, ninguém na recepção, de modo que fui entrando acanhado naquele ambiente que um dia foi tão meu. Havia ido lá só pra buscar minha tia, com quem combinara de ir ao cinema e que estava lá dando uma palestra para os professores da escola. Imaginando que ela ainda não se desocupara, decidi descer do carro e dar uma olhada em como estavam aqueles velhos corredores: cenários em que meus mais puros sonhos plantei. A escola estava mesmo vazia, e a cada passo que dava colégio adentro, mais estranho me sentia: foi como rever – em cada pequeno espaço que felizmente foi mantido naquela escola – um pedaço de mim que ficou pra sempre guardado naquelas salas, naquele mundo colorido que nada tem a ver com a realidade em preto e branco que mais tarde se nos

Adeus, e deve ter ido brincar

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Ela chegou aqui em casa ontem, e me bastou ler o nome do destinatário, escrito em letras tortuosas, garranchudas, típicas de quem está ainda tomando o jeito de pegar num lápis – pra adivinhar quem era o remetente daquela carta. Sim, uma carta, mais uma dessas coisas que o nosso mundo acabou por engolir sem nos perguntar se dispensávamos mesmo sua existência.  Mas a missiva era de fato de quem eu imaginara: foi só olhar o outro lado do envelope e lá estava infantilmente grafado o nome completo do meu sobrinho Vinícius, que não mora por aqui e lamentavelmente só pode nos visitar uma vez ao ano. O destinatário, no entanto, não era eu, mas minha mãe, de modo que preferi manter o envelope lacrado e esperar que ela o abrisse quando chegasse do trabalho. Mesmo com o envelope fechado, porém, num desses momentos em que percebemos estar um pouco mais sensíveis, mas em que, talvez por estarmos sozinhos, podemos nos deixar guiar por essa passageira embora acentuada sensibilidade

É carnaval

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Uma casa vazia, uma rua que silencia e uma alma que decidiu arrefecer até a próxima quarta-feira de cinzas: assim também se pode fazer um carnaval – dentro de si.  Sim, também pode haver alegria em quatro dias vazios. Basta pra isso que nós os  façamos, ao mesmo tempo, cheios: de paz, de calmaria, de conexão. Um bom livro à mão, um par de filmes que há tempos se deseja ver, uma cama limpa e macia, uma alma alheia aos pensamentos egoístas do dia a dia, e pronto: o espírito também estará em festa, jogando confete e serpentina sobre si.  Dormir sem ter que pensar em que horas acordar, acordar sem se lembrar de email , política, banco nem conta pra pagar. Por quatro dias. Quem disse que isso também não é uma festa? Comer o que se gosta, e bem devagar, faça o favor, que até já perdi o relógio. Abrir a janela e – a exemplo daquela pessoa discreta que vemos diariamente no trabalho com o uniforme da empresa, mas que numa determinada oportunidade encontramos na fila do cinema, à pais

As virtudes de mudar

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Chico, Gabriel e eu indo pra faculdade. Como de costume, estávamos presos num engarrafamento típico de qualquer cidade grande por volta das seis da tarde. Uma terapia gratuita, um teste de paciênia com que somos presenteados diariamente, já há quase cinco anos. Não me lembro do tema sobre o qual discutíamos, mas recordo que eu – logo eu, que até bem pouco tempo atás tinha um ponto de vista bastante distinto acerca do assunto – dei minha mais nova opinião de forma categórica. Então, o Chico saltou e disse algo do tipo: "Não, peraí, assim tu tá entrando em contradição, um dia desses tu falou exatamente o contrário, foi ou não foi?" E eu, sorrindo por ele ter lembrando meu antigo ponto de vista, disse: "É verdade, mas eu mudei de minha forma de pensar sobre isso." E, tornando o clima ainda mais descontraído, afirmei que preferia ser "essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo", e assim, o Chico, num tom leve que nad

Era melhor quando fora do lugar

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Carnaval, semana santa, natal, réveillon e meu sobrinho Vinícius por aqui, em Fortaleza. O que tudo isso tem em comum? Todos só acontecem uma vez ao ano, e ainda que a ideia de mais carnavais na temporada me pareça realmente interessante, preferiria a isso que o filho de meu irmão pudesse aparecer por essas bandas mais frequentemente. Por quê? Porque ele, como quase toda criança de nove anos, traz mais vida, mais energia por onde passa. Faz vibrar quem está por perto. Faz perguntas ("Ô tio, o que você gostava de fazer quando era criança?" ou "Ô tio, você gosta mais de McDonald's ou de Habib's?) que para nós soariam bobas demais, mas que, feitas por ele, nos trazem uma confortável sensação de inocência, de descobrimento da vida. Questionamentos que nos dão o recado de que ele ainda está em processo de educação (mas nós não deveríamos também estar, a todo momento?), e que podemos contribuir positivamente nesse processo. A propósito da sua idade, nessa se

Letras que fantasiam mais

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Certa vez alguém me disse que o Steven Spielberg, numa das vezes em que foi receber uma premiação por um filme no qual ele trabalhara (filme este que teve seu roteiro baseado num livro), o afamado diretor norte-americano, naquele tradicional discurso de recebimento do prêmio, pediu uma espécie de desculpa por ter – a partir do momento em que decidiu dar som e imagem àquela obra, que antes se resumia a letras – podado a nossa imaginação, lamentou por ter cortado as asas de nossa criatividade. Isso porque, segundo ele, a nossa capacidade de fantasiar, de imaginar é sempre mais vasta quando mergulhamos dentro do livro, ao invés de simplesmente nos contentarmos com a visão que uma outra pessoa, no caso o diretor do longa, teve ao ler a obra. Pra falar a verdade, nem sei se o homem por trás de filmes como E.T. , Tubarão e tantos outros clássicos do cinema disse mesmo isso, mas, caso o tenha feito, assino embaixo. Não estou com isso desmerecendo a sétima arte, que fique claro, e tenho c

As pulsações aqui de dentro

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Coração meu, que em outros dias desperta pleno, disposto e sentindo-se crista, hoje acordou vale – frágil, triste como uma despedida. Hoje tu és maré mansa, e assim te aceitarei. Não sei bem o que te passa, mas lembro que és meu amigo, portanto fica tranquilo: de ti, nada exigirei. Se acordaste assim, tens lá teus motivos, te conheço, sei que tens. Quando quiseres dizer o que te passa, não te olvides de mim, sou eu que te abrigo. É pena que tu vivas dentro de mim: queria que visses o céu de hoje, tão azul, claro, iluminado. Mas tu moras dentro da gente, és mesmo sábio: podes te esconder discreto quando te sentes adoentado. Ponho a mão no peito e te sinto palpitar brando, feito animal que chora baixinho só pra ninguém perceber. Bates uma, duas, tantas vezes que penso se não te cansas – se tanto te dói, por que não paras de bater? Como diria Quintana, "Só num relógio é que as horas/ Vão passando sem sofrer..." Sei que não te tenho feito bem, te aposentei de amigos e d

Por uma vida mais pura, como um abraço de adeus

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Quando nós, adultos, nos relacionamos com uma criança, nosso principal papel é o de ensinar-lhes o que sabemos, educá-las da mais cuidadosa forma, certo? Talvez. Ontem, ao levar minha sobrinha de três anos pra passear numa bela praça da cidade, local que até então não conhecia, tive o prazer de perceber que possivelmente nossa primeira função numa relação desse tipo seja exatamente oposta ao trabalho de ensinar. Talvez nos caiba, antes de lhes lecionar, aprender com elas. A propósito do tema, me lembro muito de um meu ex-professor de História, que certa vez contou um fato aparentemente irrelevante. Segundo ele, os índios que por aqui viviam antes da retumbante chegada dos europeus tinham tanto respeito pelas crianças nativas, que, quando um adulto ia lhes dirigir a palavra, ele obrigatoriamente se punha agachado, de modo a ficar da mesma altura que o jovem membro da tribo. Exemplares atos indígenas à parte, voltemos ao dia de ontem. A Manu estava brincando num parquinho da praça,

Das acelerações da vida

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A nova propaganda do filtro solar Sundown é simples, mas traz um recado pra lá de válido, em especial nos enclausurados dias em que vivemos. A marca nos faz alguns interessantes pedidos – que óbvia e indiretamente implicariam o aumento do consumo do seu produto. Pede, ainda que não exatamente com estas palavras, pra que nós, que vivemos excessivamente conectados às redes sociais, antenados nas compras virtuais e dependentes de toda essa parafernália que criamos, lembremos que a vida não se resume a essas modernidades. Nos lembra que pode haver, desde que assim decidamos, mais churrascos com os amigos, mais dias de sol passados na praia. Com uso do protetor solar, tá, já entendi. Mas o recado primeiro do comercial foi mesmo sensato. Porque já passou da hora de nós, seres humanos denominados (por nós mesmos, que arrogância, não?) superiores, pararmos pra ponderar: temos tido de fato uma vida aprazível, saudável, harmoniosa? Quantas vezes ao ano somos involuntariamente impelidos a t

Jogo de cena

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Jogo de cena é um dos filmes mais simples, singelos a que assisti nos últimos tempos. Se você ainda não viu, fica a dica, embora eu avise de antemão: caso espere uma supertrama hollywoodiana, nem se dê o trabaho. Do diretor brasileiro Eduardo Coutinho, que pelo (pouco, quase nada) que sei de cinema, vem se especializando em gravar documentários que extraem, dos mais diversos tipos de pessoas, as nossas mais coletivas sensibilidades, a proposta do filme é aparentemente insossa. Repito, aparentemente. Duas cadeiras num palco de teatro completamente vazio. Numa, está sentado o diretor do filme, na outra, alguma mulher, obrigatoriamente. E em frente ao cineasta sentam-se cidadãs dos mais diversos tipos: gordas, velhas, magras, jovens, feias, bonitas, brancas, homossexuais, negras – mas todas marcadas por situações de vida pra lá de interessantes e, exatamente onde entra a sensibilidade de Coutinho, também pra lá de comuns mundo afora: relações conturbadas com maridos ou com filhos, grav

Porque o tempo não é mais de cobranças

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"Luquinhas... quando é que te pago essa?" Fui à da casa de minha avó Teresinha ontem à noite, e a frase, dita arrastadamente por ela quando eu já estava de saída, continua incrustada em meus pensamentos. O motivo da fixação é simples: não lhe respondi com exatidão o que gostaria de ter dito. Dessa forma, escreverei – escrevemos todos, aliás – em busca da resposta que não foi dada por completo, do olhar que sempre compreende tudo mas se perde vazio no segundo seguinte, escreverei, enfim, à procura do sentimento que embora fisgado não foi de todo arpoado. Eu estava jantando sozinho quando o telefone de casa tocou: era da residência de minha avó, que havia caído da cama, cortado o pé, machucado um pouco a testa e, portanto, precisava de ajuda. Apressei-me em ir até lá. Vendo que o corte poderia inflamar e que demandava um curativo simples mas minimamente cauteloso, dona Edimar, que é sua cuidadora no período da noite, minha avó e eu seguimos até a farmácia-ambulatório mais

O medo é (e será pra sempre?) mais contagioso que o amor

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Parte devido à greve dos policiais militares com consequente aumento da criminalidade, parte (grande?) devido aos exageros rapidamente disseminados pelas redes sociais, as quais faziam Fortaleza parecer um remake do longa Nova Iorque sitiada – o certo é que na última terça-feira o pânico se espalhou por cada esquina da capital cearense. Em meio às infinitas mensagens no Facebook, que só fomentavam um cenário de caos e medo, li uma que me pareceu um raro estalo de sabedoria, de humanidade, a mais judiciosa conclusão que alguém, vendo tudo aquilo, poderia ter: "Infelizmente, mas muito infelizmente mesmo, o medo é mais contagioso que o amor." Ao ler essa frase, esqueci por um momento o sombrio cenário em que se encontrava nossa cidade e fui sutilmente catapultado para uma esfera mais aprazível: a do amor. Fiquei por ali imaginando nossa população, só por um dia, sendo contagiada não por aquela apreensão voraz, mas sim pelo mais belo dos sentimentos humanos: o que faz o n