O peso sobre nossos ombros
Espero não ser mal entendido com o que vou dizer. O tema é delicado, danado pra dar polêmica, de modo que vou tentar ser mais cuidadoso com as palavras.
De um mês pra cá, com a partida de minha avó paterna, fui a três missas (uma no dia do sepultamento, uma a que chamamos de sétimo dia e outra contado um mês de seu falecimento), um recorde que não batia desde os tempos de criança, quando eu ainda não era, como talvez digam os mais fiéis mais inveterados, um caso perdido, e acompanhava minha mãe todos os domingos em suas idas a esse tipo de cerimônia.
Pois nessas três recentes ocasiões me chamou atenção como durante uma missa somos levados a concordar com a ideia de que somos muito, mas muito pecadores. E aqui vem minha primeira ressalva: não estou aqui com intuito de criticar a igreja católica ou qualquer outra que seja, tampouco de reivindicar que as religiões modifiquem suas concepções, longe de mim tal proposição. As religiões e suas respectivas doutrinas estão aí, cada qual que escolha a sua, no caso de alguma agradar. Se falo sobre isso é porque o assunto me interessou, me pôs a refletir, me sensibilizou de alguma forma especial. Afinal, não escrevo para mudar o mundo, tudo o que tento é me entender um pouco mais, e essa é uma porta que as letras me abrem.
Mas o tema, voltemos ao tema. Caso você não lembre ou nunca tenha parado pra prestar de fato atenção às palavras ditas durante uma missa, repetirei algumas que fiz questão de memorar: "Senhor, não sou digno de que entreis em minha morada", "Cordeiro de Deus que tirais o pecado do mundo, tende piedade de nós", "Perdoai as nossas ofensas", entre tantas outras, sem contar as que estão nas chamadas entrelinhas. Puxa, ouvindo frases como essas, pensei cá comigo: ei, será que eu sou mesmo um ser humano tão mau assim? Tenho meus defeitos, você também, todos temos, mas fazemos o melhor que podemos, ora. Durante uma missa, parece que somos levados a vestir uma manta de pecadores incorrigíveis, baixar a cabeça e pedir perdão, perdão, perdão. Como em tantos momentos me sucede, mais uma vez me lembro da crônica do velho Braga, Os jornais, em que ele critica os periódicos e diz: "Será o mundo assim, uma bola confusa, onde acontecem unicamente desastres e desgraças? Não!" Por analogia, também indago: será que somos todos tão maus assim? E todas as pessoas que você ama diariamente, e as plantas que você cuida com tanto carinho no seu jardim, e aquele sorriso com que você recebe as visitas em sua casa, e aquele dia em que você sentiu dor de tanto rir e lembrou que ainda vale a pena viver, e aquele filme que te fez chorar e ver a vida de outra forma – por que não se louva isso durante uma missa? Cá pra nós, não haveria um clima mais leve, mais humano entre as pessoas que se reúnem ali? Penso que sim, mas não é dessa forma que se constrói a psicologia da religião, tão bem analisada por Nietzsche em sua obra Além do bem e do mal.
Repito porém: este escrito nem de longe é um panfleto a favor de qualquer alteração nas religiões em geral. Só falei disso porque dessas três missas a que fui no último mês saí com uma pulga atrás da orelha: não daria pra ser mais leve o clima, mais poético, sem essa carga de pecadores a todo instante sendo jogada sobre nossos ombros? Na real? Acho que até os deuses sorririam satisfeitos, um sorriso discreto pra não dar muito na vista, mas ainda assim e sempre, um sorriso.
Frase do dia:
"[...] nem o político mais esperto conseguiria sujeitar homens que desejassem apenas ser livres."
Rousseau
Coincidentemente participei das três, em diferentes graus de envolvimento emocional,fácil entender. Concordo com sua colocação. Apenas percebi na última uma competição com os cultos evangélicos, teatralizando a missa de forma, me parece, equivocada.
ResponderExcluireu vivo vindo por aqui, procurando por algo novo.
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