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Mostrando postagens de janeiro, 2012

As pulsações aqui de dentro

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Coração meu, que em outros dias desperta pleno, disposto e sentindo-se crista, hoje acordou vale – frágil, triste como uma despedida. Hoje tu és maré mansa, e assim te aceitarei. Não sei bem o que te passa, mas lembro que és meu amigo, portanto fica tranquilo: de ti, nada exigirei. Se acordaste assim, tens lá teus motivos, te conheço, sei que tens. Quando quiseres dizer o que te passa, não te olvides de mim, sou eu que te abrigo. É pena que tu vivas dentro de mim: queria que visses o céu de hoje, tão azul, claro, iluminado. Mas tu moras dentro da gente, és mesmo sábio: podes te esconder discreto quando te sentes adoentado. Ponho a mão no peito e te sinto palpitar brando, feito animal que chora baixinho só pra ninguém perceber. Bates uma, duas, tantas vezes que penso se não te cansas – se tanto te dói, por que não paras de bater? Como diria Quintana, "Só num relógio é que as horas/ Vão passando sem sofrer..." Sei que não te tenho feito bem, te aposentei de amigos e d

Por uma vida mais pura, como um abraço de adeus

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Quando nós, adultos, nos relacionamos com uma criança, nosso principal papel é o de ensinar-lhes o que sabemos, educá-las da mais cuidadosa forma, certo? Talvez. Ontem, ao levar minha sobrinha de três anos pra passear numa bela praça da cidade, local que até então não conhecia, tive o prazer de perceber que possivelmente nossa primeira função numa relação desse tipo seja exatamente oposta ao trabalho de ensinar. Talvez nos caiba, antes de lhes lecionar, aprender com elas. A propósito do tema, me lembro muito de um meu ex-professor de História, que certa vez contou um fato aparentemente irrelevante. Segundo ele, os índios que por aqui viviam antes da retumbante chegada dos europeus tinham tanto respeito pelas crianças nativas, que, quando um adulto ia lhes dirigir a palavra, ele obrigatoriamente se punha agachado, de modo a ficar da mesma altura que o jovem membro da tribo. Exemplares atos indígenas à parte, voltemos ao dia de ontem. A Manu estava brincando num parquinho da praça,

Das acelerações da vida

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A nova propaganda do filtro solar Sundown é simples, mas traz um recado pra lá de válido, em especial nos enclausurados dias em que vivemos. A marca nos faz alguns interessantes pedidos – que óbvia e indiretamente implicariam o aumento do consumo do seu produto. Pede, ainda que não exatamente com estas palavras, pra que nós, que vivemos excessivamente conectados às redes sociais, antenados nas compras virtuais e dependentes de toda essa parafernália que criamos, lembremos que a vida não se resume a essas modernidades. Nos lembra que pode haver, desde que assim decidamos, mais churrascos com os amigos, mais dias de sol passados na praia. Com uso do protetor solar, tá, já entendi. Mas o recado primeiro do comercial foi mesmo sensato. Porque já passou da hora de nós, seres humanos denominados (por nós mesmos, que arrogância, não?) superiores, pararmos pra ponderar: temos tido de fato uma vida aprazível, saudável, harmoniosa? Quantas vezes ao ano somos involuntariamente impelidos a t

Jogo de cena

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Jogo de cena é um dos filmes mais simples, singelos a que assisti nos últimos tempos. Se você ainda não viu, fica a dica, embora eu avise de antemão: caso espere uma supertrama hollywoodiana, nem se dê o trabaho. Do diretor brasileiro Eduardo Coutinho, que pelo (pouco, quase nada) que sei de cinema, vem se especializando em gravar documentários que extraem, dos mais diversos tipos de pessoas, as nossas mais coletivas sensibilidades, a proposta do filme é aparentemente insossa. Repito, aparentemente. Duas cadeiras num palco de teatro completamente vazio. Numa, está sentado o diretor do filme, na outra, alguma mulher, obrigatoriamente. E em frente ao cineasta sentam-se cidadãs dos mais diversos tipos: gordas, velhas, magras, jovens, feias, bonitas, brancas, homossexuais, negras – mas todas marcadas por situações de vida pra lá de interessantes e, exatamente onde entra a sensibilidade de Coutinho, também pra lá de comuns mundo afora: relações conturbadas com maridos ou com filhos, grav

Porque o tempo não é mais de cobranças

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"Luquinhas... quando é que te pago essa?" Fui à da casa de minha avó Teresinha ontem à noite, e a frase, dita arrastadamente por ela quando eu já estava de saída, continua incrustada em meus pensamentos. O motivo da fixação é simples: não lhe respondi com exatidão o que gostaria de ter dito. Dessa forma, escreverei – escrevemos todos, aliás – em busca da resposta que não foi dada por completo, do olhar que sempre compreende tudo mas se perde vazio no segundo seguinte, escreverei, enfim, à procura do sentimento que embora fisgado não foi de todo arpoado. Eu estava jantando sozinho quando o telefone de casa tocou: era da residência de minha avó, que havia caído da cama, cortado o pé, machucado um pouco a testa e, portanto, precisava de ajuda. Apressei-me em ir até lá. Vendo que o corte poderia inflamar e que demandava um curativo simples mas minimamente cauteloso, dona Edimar, que é sua cuidadora no período da noite, minha avó e eu seguimos até a farmácia-ambulatório mais

O medo é (e será pra sempre?) mais contagioso que o amor

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Parte devido à greve dos policiais militares com consequente aumento da criminalidade, parte (grande?) devido aos exageros rapidamente disseminados pelas redes sociais, as quais faziam Fortaleza parecer um remake do longa Nova Iorque sitiada – o certo é que na última terça-feira o pânico se espalhou por cada esquina da capital cearense. Em meio às infinitas mensagens no Facebook, que só fomentavam um cenário de caos e medo, li uma que me pareceu um raro estalo de sabedoria, de humanidade, a mais judiciosa conclusão que alguém, vendo tudo aquilo, poderia ter: "Infelizmente, mas muito infelizmente mesmo, o medo é mais contagioso que o amor." Ao ler essa frase, esqueci por um momento o sombrio cenário em que se encontrava nossa cidade e fui sutilmente catapultado para uma esfera mais aprazível: a do amor. Fiquei por ali imaginando nossa população, só por um dia, sendo contagiada não por aquela apreensão voraz, mas sim pelo mais belo dos sentimentos humanos: o que faz o n