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Mostrando postagens de fevereiro, 2010

Um triste boxeador.

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Como um boxeador em fim de carreira, velho, decadente, sem forças, ou sem querer buscar forças, vou sendo golpeado a cada música, a cada acorde menor, daqueles que doem lá na alma, onde você nem imaginava que pudesse haver dor. Tudo parece ir remoendo, desfalecendo o pobre boxeador, que, embora esteja ainda cheio de amor, enxerga um amor de guarda baixa, desvanecido, que apanha a cada golpe desferido, sem saber como nem por onde se defender, como se tivese esquecido num lugar agora oculto da memória suas técnicas um dia infalíveis, técnicas que fizeram desse boxeador a pessoa com mais amor no peito e na alma. Ele se alimentava desse amor, porque esse amor bastava para suas energias, mas agora, sem saber como explicar, o boxeador baixa a guarda e se deixa golpear, como se quisesse ao fim mostrar somente que foi maltratado, sem culpa de ninguém, mas foi maltratado. No intervalo do round , foi ao córner, mas lá não havia um técnico sequer para limpar-lhe o destruído supercílio, o adversár

Ocultas palavras.

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As palavras têm muita valia. Sim, sim, disso nunca duvidei e nem será neste texto que irei discordar. Mas o que poucas vezes paramos para pensar é como faltam palavras no nosso mundo, faltam verbos, substantivos, advérbios capazes de descrever um momento especial, uma cena, uma cor, uma dor, um sorriso, que estão ali, na nossa frente, mas que empacam na hora de passar ao papel, procura-se num dicionário, em outro, busca-se na mente, que para isso serve, mas a palavra não vem, ou talvez não exista, e o poeta, romancista ou seja lá o que for, frustra-se, envergonha-se, como se aquilo fosse unicamente uma falha dele, escritor, que não tem vocábulos suficientes para descrever algo tão simples, tão visível, quase palpável. Mas infelizmente é assim, as palavras têm disso, brincam, divertem-se às nossas custas, como se depois de causarem seus estragos, nem sempre pequenos, tivessem um momento só delas, palavras, em que se juntam todas numa sala bem grande somente para fofocar sobre as confusõ

O texto de um dia.

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Às palavras, quero me entregar sempre. Quero um dia produzir escritos refinados, perfumados como um jasmim ou um manacá posto num jardim bem bonito, numa daquelas casas super aconchegantes, com paredes e móveis de madeira pesada, bem escura e bonita e imponente. Pronto. Está posta a comparação, quero um escrito que nem essa casa, e cheirando a jasmim ou a manacá. Será um texto que vai me preencher, vai me embevecer do começo ao fim, quero delirar, me encantar, sentir meus olhos brilharem ao final com uma produção minha, só minha, saída dessa cabeça que minha mãe dizia ser oca, oca nada, mamãe, veja só esse texto, eu que fiz, eu, só eu! Um texto de uma tirada só, feito numa madrugada fria e solitária, com uma lua cheia a iluminar levemente a janela, inspirando-me da primeira à última palavra. E não será para mostrar para qualquer um, da minha intimidade cuido eu. Ao fim das últimas palavras, salvo o documento e desligado o computador, ainda escutarei susurros no corredor me dizendo, &qu

O mundo numa janela.

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Quem dera, meu caro, quem dera o mundo coubesse numa janela. Nessa janela aqui, à minha direita, de onde sempre vejo a moça no prédio ao lado lavando roupa em sua área de serviço, embora hoje não o faça, já que domingo não é dia de trabalhos, de onde vejo uns poucos carros que interrompem a calmaria da rua, de onde ouço um cachorro que late em algum ponto invisível da vizinhança, e de onde vejo, aqui acolá, algo novo, atrativo, como uma briga de casal no prédio ao lado, o que, cá pra nós e que Deus nos perdoe, é ótimo de se ver, parece até que estamos num teatro em que somos os únicos espectadores, invisíveis, diga-se de passagem. Mas não cabe. Quando sento para escrever, como faço agora, sei que o mundo está para além, muito além dessa insossa janela, da qual não se extrai, por mais hábil que seja o cronista, muito mais do que o descrito acima. Tenho então de ir adiante, fugir para outros mundos, para outras vidas, algumas passadas, mortas e enterradas, outras por nascerem, quando nem

O combustível da inspiração.

Quando me meto a escrever, quando me imponho a tarefa - às vezes árdua, porém sempre prazerosa ao final - de escrever, sinto uma necessidade imensa de estar em dia com uma leitura saudável, inteligente, da qual consiga extrair para meus inexperientes pensamentos algumas migalhas com as quais possa criar minha própria fantasia. Agora, por exemplo, quase subitamente fui apanhado por uma vontade de sair escrevendo sobre coisas bonitas, humanas, realmente penetrantes, quis, enfim, escrever algo que, depois de concluído, me fizesse respirar calma e prazerosamente, me fizesse voltar a ler o texto como se nunca o tivesse visto antes, chegando à última linha dizendo: gostei. Assim, caso esse escrito tivesse me presenteado nessa agradável e solitária noite, ou, como diriam os mais críticos, caso tivesse eu a capacidade de dar forma a esse hipotético escrito, garanto que iria dormir com uma vaidade, com uma presunção, que só vendo para crer, meu amigo, só vendo. Mas, como vinha dizendo antes des

Uma bola na praia e a saudade que já se hospeda.

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Estávamos nós dois, eu e ela, sempre ela, a brincarmos na praia numa belíssima segunda-feira de Carnaval, à beira-mar, com as ondas de vez em quando beijando nossos pés enquanto nós, completamente envolvidos naquele mundinho nosso, esquecíamos de tudo ao nosso redor e só lembrávamos de distrairmo-nos com a simples bola de futebol que parecia estar ali somente para nos presentear com uma das mais inocentes e sutis amostras desse produto que não se vende nem se empresta. O amor. Brincávamos de driblar um ao outro, e ela, como uma pequena criança que faz de uma brincadeira como essa uma final de campeonato, tentava de fato me driblar, tentava de fato proteger a bola antes que eu a roubasse facilmente, não emudecia nem se envergonhava com os dribles levados. Ao fim do nosso jogo, quando desisti da brincadeira para abraçá-la e beijá-la, vi que ela estava suada e apaixonada, como eu. Agora essa cena está um pouco longe de se repetir, parece distante, um oceano de distância, e veja como nunca

Um cafezinho.

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Nessa semana, ao caminhar em mais uma agradável noite pelo campus da universidade, passei por um senhor que religiosamente faz e vende umas tapioquinhas aparentemente saborosíssimas e uns cafezinhos pra lá de perfumados. Perguntei-me se todos os dias, ao passar por seu humilde (mas digno) local de trabalho, aquele cheiro está impregnado nas redondezas e eu só o notei agora, depois de quase três anos de faculdade, ou se naquele dia seu café e sua tapioca foram feitos e servidos com um, digamos, toque especial. Mas não perguntei ao tal senhor, mantive-me calado e passei como que embevecido por aquele agradável e inconfundível cheiro que emanava do café, nesse caso acompanhado de uma tapioca que, via-se, estava ainda quente nas mãos dos clientes, que a assopravam e depois bebericavam um gole dessa bebida presente em tantas mesas ao redor do mundo, sejam elas luxuosas ou quase miseráveis, de granito nobre ou de restos de madeira lascada, e apreciada também nas mais distintas ocasiões, seja