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Mostrando postagens de março, 2011

Vai-se morrendo

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De súbito, a vontade de fugir da cidade; dos carros e mais carros que - feito dentes que visivelmente não cabem mais numa mesma boca - se apertam, rangentes, cada qual em busca de um espaço que já não há. A vontade - repentinamente louca, mas loucamente esclarecida - de fugir desse arranjo desarmônico, que cansa; cansa e mata, no fim das contas. Morrer de câncer, dengue, infarto, carro, moto, bala, cirrose? Não senhor. Que se diga isso num atestado de óbito, até vai. Mas tem uma luz que alumiará um letreiro pequenininho, presente em cada uma de nossas lápides, quando não mais estivermos por aqui. E o letreiro dirá que aí, nesse caos que alavanca(?) as grandes cidades, morre-se mesmo é desse bombardeio de informações que nos empurram goela abaixo. Ou melhor, não se morre; vai-se morrendo (se é que me faço entender a distinção entre as duas sentenças). Vai-se morrendo imperceptível e dosadamente, dia após dia, todos massacrados por essa infinidade de buzina, trânsito, fila, banco, outdo

22 homens e uma bola

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O futebol é um negócio meio inexplicável. Quando alguém - algum desses infelizes que nunca sentiram o prazer de torcer pra algum time - diz a típica frase, "Não vejo graça nenhuma em 22 jogadores correndo atrás de uma bola.", até me questiono como é que pode alguém de mente, digamos, razoavelmente equilibrada, sentir tanta emoção ao ver sua equipe em campo. Porque, se formos parar pra pensar, o que se enxerga, o que está ali, à frente de nossos olhos, é isto mesmo: uma bola e 22 marmanjos, onze de cada lado, brigando por ela. Mas sabe o que penso logo em seguida? Pois que seja, então. Pra mim, o futebol é um dos pouquíssimos assuntos que ainda me entusiasmam numa conversa. É, de verdade, uma das poucas coisas que me fazem sair do meu modo contido, lacônico, pra de repente me ver empolgado, discorrendo sobre o tema, argumentando e ouvindo com a máxima atenção o que o outro diz; sentindo-me efemeramente feliz. Posso seguramente (e desde que com alguém também entendido no assunt

Em extinção

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Tem gente que, não sei como, consegue, mesmo depois da infância, guardar como que uma inocência, uma pureza. É meio complicado de explicar, mas prometo me empenhar na tentativa. Falo de gente que carrega um olhar mais verdadeiro, uma energia mais humana, um aperto de mão ou um abraço mais caloroso. Gente que, por alguma sorte ou graça divina, cultiva uma singeleza de encher os olhos, uma ingenuidade quase inexistente no gênero humano. São aquelas pessoas que conseguem lhe perguntar um tradicional e corriqueiro "tudo bom?" querendo - de fato e nada mais além disto - saber como você está. Gostaria de lembrar agora algum bicho que esteja bastante ameaçado de extinção, só pra dizer que esse tipo de ser humano, descrito acima, está na mesma situação. Mas ainda existem alguns. E um deles vive, pra minha grata felicidade, sob o mesmo teto que eu. O nome dela é Neide. Francineide, na verdade, mas a vida, que tudo simplifica, tratou de praticamente lhe mudar o nome, que certamente

A lua

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Alguém avisou no facebook que hoje apareceria a maior lua dos últimos 18 - ou 19, 20, sei lá - anos. Nem dei bola. Tratei a notícia como se o tamanho com que a lua fosse se mostrar hoje fosse algo tão importante quanto a última eliminação no Big Brother Brasil. Então, quando fui até a varanda do meu quarto dar uma olhada, como se diz, no tempo, me vi subitamente impressionado, perturbado pelo tamanho desse que é o maior difusor de luz natural quando o sol se esconde. Não tenho nenhuma régua de medir lua (como provavelmente a pessoa que divulgou a informação de que estamos falando), mas não possuo argumentos pra dizer que essa não é a maior que me lembro de ter visto na vida. Ela estava magnífica, imponente, elegante e bem à minha frente, um pouco acima da altura em que eu me encontrava; mas só um pouco, tanto que mal precisei erguer minha cabeça pra ter sua melhor visão. Completamente descoberta, nua, como se as nuvens, cientes do raro acontecimento que hoje haveria, tivessem - tal qu

O espetáculo do mundo

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"Sábio é o que se contenta com o espetáculo do mundo." A frase, que pertence a Fernando Pessoa, ficou em minha cabeça desde o dia em que a li na abertura de mais um (belíssimo) livro de Saramago, "O ano da morte de Ricardo Reis" Parece simples, mas não é. Satisfazer-se, contentar-se com o simples observar das (infinitas) cenas que saltam aos nossos olhos, não é das tarefas mais fáceis, mas cada vez mais me parece das mais sábias atitudes que um ser humano pode tomar. Deixando a poesia de lado e dando voz aos mais céticos, é óbvio, meu caro, que por mais sábio que seja o indivíduo, não dá pra ficar só parado vendo o tempo passar; afinal de contas, não conheço ninguém que não tenha que estudar ou trabalhar ou cuidar da casa ou dos filhos. Não conheço ninguém, enfim, que - indo de encontro à tal frase - não tenha que participar ativamente de toda essa encenação da vida. Assim, peço licença ao nosso caro Fernando Pessoa e refaço a sua frase com uma pitada de realidade:

Sim, sozinho

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Passei dias, semanas, meses planejando um mochilão do qual retornei há poucos dias; dois ou três. Passei a maior parte desse tempo pré-viagem traçando meu roteiro calado, quase como se o sucesso do mochilão dependesse de que eu o mantivesse o maior tempo possível ali, em segredo. Vinha levantando a grana esforçadamente, conversando na internet com desconhecidos que me ajudaram nas escolhas aparentemente mais irrelevantes. Sonhando e trabalhando calado, eu diria; talvez com vergonha de dizer que não podia comprar algo (ou ao menos preferia não comprar) porque estava juntando dinheiro pra viajar dali a seis, sete meses. Depois, então, quando tive que dizer, mesmo a poucas pessoas, que pretendia fazer o tal mochilão (que à altura já estava mais que bem planejado; quase como se eu fosse partir no dia seguinte), sempre me perguntavam: e você vai com quem? Mas essa, curiosamente, foi a única pergunta que não fez parte em momento nenhum de tudo o que foi pensado acerca da viagem. E não fe