Sim, sozinho
Passei dias, semanas, meses planejando um mochilão do qual retornei há poucos dias; dois ou três. Passei a maior parte desse tempo pré-viagem traçando meu roteiro calado, quase como se o sucesso do mochilão dependesse de que eu o mantivesse o maior tempo possível ali, em segredo. Vinha levantando a grana esforçadamente, conversando na internet com desconhecidos que me ajudaram nas escolhas aparentemente mais irrelevantes. Sonhando e trabalhando calado, eu diria; talvez com vergonha de dizer que não podia comprar algo (ou ao menos preferia não comprar) porque estava juntando dinheiro pra viajar dali a seis, sete meses.
Depois, então, quando tive que dizer, mesmo a poucas pessoas, que pretendia fazer o tal mochilão (que à altura já estava mais que bem planejado; quase como se eu fosse partir no dia seguinte), sempre me perguntavam: e você vai com quem? Mas essa, curiosamente, foi a única pergunta que não fez parte em momento nenhum de tudo o que foi pensado acerca da viagem. E não fez parte por uma razão muito simples: porque desde o começo eu pus em minha cabeça que iria só, possivelmente querendo provar pra mim mesmo que eu tinha - tinha não, tenho! - duas pernas muito saudáveis, que podem andar por conta própria e a um único comando: o meu. "Que revolta", alguém lendo isso deve pensar.
Mas continuando: quando eu dizia que ia sozinho, a maioria das pessoas não conseguiam me disfarçar o olhar... não de reprovação, mas de grande estranheza, digamos assim. Olhar esse que se deve a um fato muito claro em minha cabeça: o fato de que, pra grande parte das pessoas, estar só (e não somente viajar só) é um grande problema, algo um tanto apavorante, que assusta. O povo tem uma mania de querer sempre ter alguém por perto, como se estar sozinho fosse incômodo, desconfortável. De uns tempos pra cá, digo de verdade que vários dos momentos em que eu estive melhor comigo mesmo aconteceram quando estava sem ninguém ao lado. Sem nenhuma presença que - querendo ou não - pesa. Não é à toa que certa vez li que algum gênio da Literatura Brasileira (não lembro se Vinícius de Moraes, Rubem Braga, Fernando Sabino... não lembro) costumava vez por outra deixar um livro de presente na portaria do prédio de um grande amigo (outro monstro da escrita nacional, cujo nome também me escapa), o que fez, certa vez, esse que era presenteado perguntar ao primeiro: "Mas por que você nunca sobe pra me entregar pessoalmente?" E o outro respondeu: "É só pra eu não lhe incomodar com o peso da minha presença" Achei essa resposta tão sutil quanto verdadeira. Mas, voltando ao nosso ponto, permitam-me dizer que não sou (tão) estúpido: é óbvio que é maravilhoso ter como companhia alguém de quem se goste, seja amigo, amiga, namorada, esposa ou amante. É estupendo ter alguém com quem partilhar conversas, olhares, beijos ou abraços. Claro. Mas o ponto aonde quero chegar é que não ter alguém seguindo seus passos não é tão ruim quanto às vezes somos levados a pensar; pelo contrário. Eu comecei a descobrir esse prazer com coisas simples (ou nem tão simples assim, para algumas pessoas), como ir desacompanhado ao cinema numa noite ou à praia num belo dia de sol. Confesso que a princípio, ao investir nessas (solitárias) experiências, me senti como um menino que só andava em bicicletas com aquelas rodinhas fixadas no pneu traseiro (lembra das rodinhas?), e que aos poucos descobriu que podia, sim, andar sem elas (o que é bem melhor, diga-se de passagem).
E foi assim, tomado por esse independente - embora alguns prefiram adjetivar como solitário - sentimento, que eu joguei a mochila nas costas e me mandei pro Chile, de onde trouxe na bagagem - além de roupas sujas e a melhor viagem de minha vida - uma certeza: você, assim, como eu, não precisa de ninguém pra viver bem e pra correr atrás da sua sorte.
Frase do dia:
"Certeza é o chão de um imóvel
Prefiro as pernas que me movimentam"
Nando Reis, mas pertinentemente lembrado pela Eliane.
Muito bom! Vou levar seu texto pra sala de aula.
ResponderExcluir"Certeza é o chão de um imóvel. Prefiro as pernas que me movimentam..."
[Nando Reis]
abraço,
Eliane [prima de Pedrinho]
O poeta que doava livros era Mario Quintana;segue uma breve poesia dele,pertinente...
ResponderExcluirBela cronica.
Valdisio
A Vida
Mário Quintana
A vida são deveres, que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando se vê, já é sexta-feira...
Quando se vê, já é Natal!
Quando se vê, já terminou o ano...
Quando se vê, passaram-se 50 anos!
Agora, é tarde demais para ser reprovado...
Se me fosse dado, um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
Seguiria em frente e iria jogando, pelo caminho, a casca dourada e inútil das horas...
Dessa forma, eu digo:
Não deixe de fazer algo que gosta devido à falta de tempo.
A única falta que terá, será desse tempo que infelizmente... não voltará mais.