Medo, mais que da morte, da vida

Você tem medo?

Foi essa a pergunta, apenas aparentemente despretensiosa e que se referia à vida em geral, que um dia desses minha namorada me fez enquanto conversávamos acho que sobre as dificuldades, os anseios que estavam atormentando a mim ou a ela, também já não lembro ao certo.

Acho que pensei um pouco antes de responder – aliás, está aí algo que às vezes acaba por me fazer mal, embora seja esta igualmente a maneira que encontro de me sentir bem: pensar. Pensar antes de falar, pensar antes agir, pensar depois de ter agido ou mesmo sem nada ter feito: penso para evoluir, mas como pensar sem me doer? – e lhe disse que sim, que tenho medo da vida, que isso deve ser coisa meio do ser humano até.

Não que eu tenha me arrependido da resposta, pelo contrário, mas acho que ela não foi suficiente, havia algo mais por dizer, e é por isso, será sempre por isso, que volto a escrever: para tentar exprimir o que não foi de todo dito, para repisar o terreno já batido, escrevo para correr atrás do tempo perdido, nada mais que isso, afinal.

Tenho medo, sim, e óbvio que não estou falando de assalto, sequestro ou queda de avião. Falo do pavor que tenho ante à ideia de não ser compreendido, de não atender às minhas expectativas, ou às dos outros. Medo de parar no tempo, de não agir conforme aquilo que tenho como princípios. Medo das dores do amor. De não chegar lá, de ser só mais um, de me desencantar com a vida. Medo de não ser ouvido, ou de não ouvir o outro. De ser ou parecer petulante, antipático, mal educado. De não falar quando necessário, ou de fazê-lo quando impróprio. Receio de não superar meus fantasmas, de não evoluir, de passar a vida com as mesmas convicções. De fazer o mesmo sempre, de visitar sempre os mesmos lugares, de voltar a cometer erros de que tantas vezes prometera me livrar.

Penso que a vida, muito mais que a morte, me assusta. A esta, afinal, estamos todos condenados, ao nascer iniciamos todos a mesma caminhada em direção a ela, já diria o filósofo. Mas a vida, ao contrário da morte, é caminho por fazer, é texto em construção, e é essa edificação que me apavora: o que fazemos não é uma representação do que somos, simplesmente é.

E se ter medo da vida, que aliás é diferente de não vivê-la, parece fraqueza, me ancoro, frágil, no verso da canção: pois que seja franqueza, então.


Frase do dia:
"As palavras são o diabo, nós a crer que só deixamos sair da boca para fora aquelas que nos convêm, e de repente aparece uma que se mete pelo meio, não vimos de onde surgiu, não era para ali chamada, e, por causa dela, que não é raro termos depois dificuldade em recordar, o rumo da conversa muda bruscamente de quadrante, passamos a afirmar o que antes negávamos, ou vice-versa [...]"
José Saramago

Comentários

  1. te admiro muito, meu amor.


    Jequinha

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  2. amanhã faz 1 mês que não há novidades por aqui. quero mais! =)

    Jequinha

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