Um lápis
Foi numa dessas tardes amenas, céu azul aberto quase sem nuvens, sol brando que em nada incomodava, antes suavizava – era um dia assim, como outro qualquer.
Um dia tão bobo, que me dei conta de que precisava comprar um lápis, se é que ainda há lápis neste mundo moderno repleto de notebooks, iphones, ipads e outras parafernálias que felizmente desconheço: um mundo que já não nos permite ver a letra do outro, um mundo para o qual temos todos a mesma caligrafia, fria e imparcial. Como esta com que escrevo agora.
Aos poucos, durante aquela tarde serena que certamente me deixou mais sensível, fui sendo tomado por uma vontade tola: eu queria comprar um lápis. Já não seria feliz enquanto não me apossasse desse objeto simples, de vida pacata mas espírito radiante: em meio a nós que o ignoramos, um lápis ainda é capaz de projetar os sonhos mais lindos, e essa possibilidade de repente me encheu a alma, eu precisava de um lápis urgentemente, queria naquela tarde escrever um mundo novo que jamais poderia ser escrito diante de uma tela de computador. Tivesse eu um lápis naquele momento, naquele exato momento, pintaria um mundo poético que em nada pareceria com este cenário que nos rodeia: buzinas, outdoors nos mandando comprar sem cessar, prédios que nos sufocam. Este planeta assim como o vemos hoje não é o mundo que um lápis desenharia, ou que os usuários de lápis desenhariam: este é o planeta projetado e controlado por telas de computador de última geração, quase tudo o que vemos já nasceu numa tela indiferente de cristal líquido e jamais conheceu a ponta afiada e disposta de um lápis, o que por um lado é maravilhoso. Por um lado.
Assim, caminhei – jamais poderia ir de carro cumprir esta função, que paradoxo seria... – por algumas quadras buscando o tal objeto. Mais que isso, talvez estivesse buscando entrar em contato com um mundo passado, distante e que muitas vezes me parece mais poético, embora menos prático, que este em que vivemos. Ou talvez estivesse procurando somente me tornar alguém mais simples naquela tarde gostosa, e por isso queria ter comigo um objeto tão sutil. O certo é que caminhei em busca de minha felicidade, que residia no estúpido. E isso me agradava.
Encontrei então uma papelaria, lá havia vários. Comprei um: penso que não seria muito poético de minha parte comprar vários lápis. Me bastava um, lápis afinal tem vida longa, como quase tudo de antigamente.
Me senti então feliz, como há muito não me sentia. Uma felicidade distinta e branda que foi entrando por dentro de mim feito mel, viscosa e doce. Comprei um lápis. Fui feliz naquela tarde.
Frase do dia:
"[...] o selvagem vive em si mesmo; o homem sociável, sempre fora de si, só sabe viver na opinião dos outros e é, por assim dizer, do juízo deles que lhe vem o sentimento de sua própria existência."
Rousseau
Um dia tão bobo, que me dei conta de que precisava comprar um lápis, se é que ainda há lápis neste mundo moderno repleto de notebooks, iphones, ipads e outras parafernálias que felizmente desconheço: um mundo que já não nos permite ver a letra do outro, um mundo para o qual temos todos a mesma caligrafia, fria e imparcial. Como esta com que escrevo agora.
Aos poucos, durante aquela tarde serena que certamente me deixou mais sensível, fui sendo tomado por uma vontade tola: eu queria comprar um lápis. Já não seria feliz enquanto não me apossasse desse objeto simples, de vida pacata mas espírito radiante: em meio a nós que o ignoramos, um lápis ainda é capaz de projetar os sonhos mais lindos, e essa possibilidade de repente me encheu a alma, eu precisava de um lápis urgentemente, queria naquela tarde escrever um mundo novo que jamais poderia ser escrito diante de uma tela de computador. Tivesse eu um lápis naquele momento, naquele exato momento, pintaria um mundo poético que em nada pareceria com este cenário que nos rodeia: buzinas, outdoors nos mandando comprar sem cessar, prédios que nos sufocam. Este planeta assim como o vemos hoje não é o mundo que um lápis desenharia, ou que os usuários de lápis desenhariam: este é o planeta projetado e controlado por telas de computador de última geração, quase tudo o que vemos já nasceu numa tela indiferente de cristal líquido e jamais conheceu a ponta afiada e disposta de um lápis, o que por um lado é maravilhoso. Por um lado.
Assim, caminhei – jamais poderia ir de carro cumprir esta função, que paradoxo seria... – por algumas quadras buscando o tal objeto. Mais que isso, talvez estivesse buscando entrar em contato com um mundo passado, distante e que muitas vezes me parece mais poético, embora menos prático, que este em que vivemos. Ou talvez estivesse procurando somente me tornar alguém mais simples naquela tarde gostosa, e por isso queria ter comigo um objeto tão sutil. O certo é que caminhei em busca de minha felicidade, que residia no estúpido. E isso me agradava.
Encontrei então uma papelaria, lá havia vários. Comprei um: penso que não seria muito poético de minha parte comprar vários lápis. Me bastava um, lápis afinal tem vida longa, como quase tudo de antigamente.
Me senti então feliz, como há muito não me sentia. Uma felicidade distinta e branda que foi entrando por dentro de mim feito mel, viscosa e doce. Comprei um lápis. Fui feliz naquela tarde.
Frase do dia:
"[...] o selvagem vive em si mesmo; o homem sociável, sempre fora de si, só sabe viver na opinião dos outros e é, por assim dizer, do juízo deles que lhe vem o sentimento de sua própria existência."
Rousseau
Meu lindo analógico!
ResponderExcluirAcho que esse lápis me inspirou a comprar um caderno no lugar de um tablet. Explico: Após quase dois anos fora das salas de aula, resolvi me inscrever em um MBA. E, como acontece depois de cada decisão importante em minha, deparei-me com uma interrogação enorme: será que ainda há lugar no mundo para os cadernos, ou terei que me render ao universo prodigioso e superestimado dos tablets? É difícil ser do presente com seres que vivem no futuro.
ResponderExcluirObrigada pela ajuda!
Ah! Além do caderno, também comprarei UM lápis.
Um lápis. Um lápis incrivelmente poético. Penso que escrevestes em tom de conto, peculiarmente clariciano. Veja que graça, o ápice da escrita: um lápis. Ê poesia ousada!
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