Para trazer um pedacinho de si

Que de mais importante se traz de uma viagem para onde se partiu sozinho, rumo a lugares até então desconhecidos? Fotos, presentes, um pouco de conhecimento da cultura local? Penso que não.

Faz umas duas semanas que voltei de mais um solitário mochilão por aí: pelo novo, pelo desconhecido. Ao retornar, naturalmente as pessoas mais próximas e que ficaram sabendo de minha última empreitada me indagaram como foi a viagem. Sei que sou muitas vezes excessivamente tímido e inseguro pra falar, mas senti que em relação a essa pergunta, por mais bem articulado que fosse, jamais conseguiria transmitir com precisão a vastidão de sentimentos aparentemente bobos que nos invadem quando passamos algum tempo, pouquinho que seja, longe de casa, de nossa cama, de nossos cheiros. Longe de nós mesmos, afinal. Assim, senti que em nenhum momento soube responder uma pergunta tão simples: como foi a viagem?

Pois como explicar que a melhor lembrança que tenho de determinada cidade é o olhar sorridente de uma senhora de feições indígenas, diria até sofredoras, que vendia pães doces num mercado público do município? Ou como dizer a alguém que os cuidados que recebi de três senhores que até então nunca tinham me visto e que me trataram como se fosse um filho num dos dias em que mais precisei, como explicar que a lembrança deles me vale mais do que qualquer fotografia do mais estimado ponto turístico que visitei? 

E, sem querer defender os viajantes solitários, não sei, sinceramente não sei até que ponto eu teria entrado em contato com muitos desses sentimentos caso não tivesse ido sozinho. Porque é distinta a experiência de viajar só, ou de estar só, pra ser mais abrangente. Aliás, sozinho não. Consigo. Entrar em contato com você, com seus fantasmas, suas inseguranças, com seu eu mais recôndito, aquele a quem na velocidade frenética de nosso dia a dia não temos tempo sequer de dar bom dia. Gosto de viajar só porque sempre, ao final, me conheço um tantinho mais. Entro em contato com uma parte de mim que desconhecia, ou que só conhecia superficialmente. Sinto-me um pouco mais dono de mim, um pouco mais senhor de meus pés e pernas e braços.

Sabe aqueles livros bobos, do tipo "50 coisas que você não pode deixar de fazer antes de morrer"? Se eu tivesse de contribuir com uma produção tão vazia, penso que meu conselho seria: antes de se despedir destes terrenos, planeje e faça uma viagem sozinho, para um lugar desconhecido que você deseje muito visitar. Ah, e não valeria no caso de já sair de casa tendo combinado com um amigo ou parente distante de hospedá-lo ou de lhe dar uma assistência por lá, isso estaria em letras pequenas, nota de rodapé.

Que se traz, então, de uma viagem aparentemente, e às vezes realmente, tão melancólica? Fotos, presentes, cultura? Sim, também. Mas o que mais importa: um pedacinho a mais. De você.


Frase do dia:
"Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV.  Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver."
Amyr Klink

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