No sítio.

Para afastar a solidão deste apartamento vazio, nesta tarde cinzenta em que mau se vê aquele azul do céu que abrilhanta outros dias, vou-me embora pro passado. Vou pro sítio, onde passava férias inteiras quando criança. A rotina era a mesma, e não podia ser melhor. Quem acordava mais cedo, entre primos e amigos que por lá também andaram, ia comprar o pão, de bicicleta, ainda cedinho, sol recém-nascido. No entanto, essa tarefa, em benefício de algumas horas a mais de sono, eu raramente cumpria, embora, ao acordar, houvesse entre todos um prêmio silencioso, uma leve inveja dos preguiçosos para com aquele que ia buscar o dito pão e que, na volta pro sítio, ao descer de bicicleta a ladeira que havia no caminho, desfrutava do imenso prazer de sentir no rosto o vento frio da manhã que ainda principiava.

Depois, já por volta das dez horas, quando - além do disposto comprador do pão - todos estavam de pé, íamos à praia, dessa vez a pé, pois raramente havia bicicleta para todos. Agora, neste exato momento, imaginando-nos de frente para o mar, as lembranças, que são várias, me vêm com uma força estonteante: jogar bola com dezenas de outros meninos moradores do vilarejo e amigos meus até hoje; mergulhar no mar e às vezes conseguir com algum amigo um bote para passearmos mais ao fundo do oceano; correr; ficar deitado na areia; paquerar (já um pouco mais velhos); e tantas coisas mais quanto a cabeça de uma criança permitia, até que dava a hora de voltar, com uma fome que só vendo pra crer.

De volta à casa, almoçávamos e comíamos feito bichos, novamente sob um pacto silencioso que concedia certo glamour a quem comia mais. Nessa disputa, então, eu me superava, dando talvez uma resposta aos dispostos compradores de pão, que me venciam pela manhã. Depois do almoço, sempre delicioso, preparado pela pessoa que sem dúvida criou e aturou todos nós nesses tempos - o Doca - dormíamos a sesta, sem sequer saber da existência dessa palavra. Então, mais pro fim da tarde, íamos ao vilarejo ver o sol se pôr numa duna que lá existia, o que era lindo; ou íamos jogar mais futebol em algum campo local. Mais tarde, fizemos um campo no nosso próprio sítio, de modo que nessas tardes todos os nossos amigos da praia iam até nossa casa, jogar partidas mais uma vez duríssimas, das quais aqui acolá um de nós saía seriamente lesionado.

À noite, como todo bom lugar do interior do estado, íamos à praça, onde se iniciaram certamente os primeiros namoros de todos nós. Novamente e pra variar um pouco, havia uma disputa, dessa vez quem sabe mais escancarada, pelo título de mais namorador. A disputa era boa, e ao fim das férias acho que ninguém saía insatisfeito.

Fui-me embora pro passado, e voltei. A tarde já vai se indo, e o azul do céu até apareceu um pouco mais, vai ver a viagem por esse pedaço saudoso de minha infância também o comoveu.


Frase do dia:
"(...)
Quis gritar, mas segurou a voz,
Quis chorar, mas conseguiu sorrir
(...)"
Jorge Vercilo

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