Saudade, feita de memória
Estava eu lendo uma crônica do ótimo escritor pernambucano Samarone Lima quando, em meio a tantas outras palavras que daquela vez excepcionalmente me passavam meio despercebidas, ele lançou esta frase – sutil, perfeita: "Toda saudade é feita de memória."
Sim, claro que é, toda saudade é feita de memória. Mas as palavras são assim, às vezes o óbvio, desde que dito de forma sensível, de coração aberto, também se torna belo. Pois há simplicidade no belo, ou há beleza no simples, sei lá.
O certo é que, depois que li essa frase, fui aos poucos me deixando invadir por um sentimento já conhecido – uma aprazível melancolia, um calmo e harmonioso distanciamento em relação ao tempo que chamamos presente. Como uma nuvem que vai passando sem pressa num lindo dia de sol, fui deixando ela me levar – ela, a saudade.
Mas saudade de quê? Saudade do que vivi, do que fui, saudade de ter sido. Afinal, como certa vez, ainda que não exatamente com estas palavras, disse Caio Fernando Abreu, o tempo passado costuma nos dar saudade, de um modo geral. Não por ter sido obrigatoriamente bom, mas sim porque, ao olharmos pra trás, conseguimos – e só conseguimos isto exatamente porque já passou – nos localizar com perfeição naquele cenário, naquele momento de nossas vidas. Conseguimos nos pontuar na história, e isso nos tranquiliza. Passou, foi bom, fiz o meu melhor: errei, acertei, chorei, sorri, amei e desamei, mas fiz o que pude. E assim, este verbo, dito em seu passado simples – passou – nos conforta de alguma misteriosa forma, ao contrário do presente ou, pior ainda, do futuro, ambos tempos que nos causam certo anseio pelo simples fato de que ainda não nos localizamos am absoluto em tais estágios.
Mas a saudade que senti, voltemos a ela.
Senti saudade de minha infância, das férias intermináveis no sítio, da velha casa em que moramos até meus dez anos e de seu imenso jardim, da escola em que estudei até a quarta série e de todos que comigo viveram aquela infância sadia (Deus, por onde andarão muitos deles?), saudade das primeiras farras, das primeiras paixões, das manhãs no outro colégio em que permaneci até o fim do período escolar, saudade de velhos professores, antigos amores, velhos cheiros que trazem boas recordações, de livros lidos, sonhos perdidos, outros encontrados.
Saudade senti, saudade quero sentir – sentimento nobre, enrijece com o tempo, se ornamenta com o passar dos anos. Que a saudade seja, e que isto nunca mude, feita sempre feita daquilo que trazemos de mais íntimo: nossa memória, sincera memória.
(Quixaba, 04 de dezembro de 2011)
Frase do dia:
"A incerteza do futuro fez com que o coração voltasse ao passado."
Gabriel García Márquez
Sim, claro que é, toda saudade é feita de memória. Mas as palavras são assim, às vezes o óbvio, desde que dito de forma sensível, de coração aberto, também se torna belo. Pois há simplicidade no belo, ou há beleza no simples, sei lá.
O certo é que, depois que li essa frase, fui aos poucos me deixando invadir por um sentimento já conhecido – uma aprazível melancolia, um calmo e harmonioso distanciamento em relação ao tempo que chamamos presente. Como uma nuvem que vai passando sem pressa num lindo dia de sol, fui deixando ela me levar – ela, a saudade.
Mas saudade de quê? Saudade do que vivi, do que fui, saudade de ter sido. Afinal, como certa vez, ainda que não exatamente com estas palavras, disse Caio Fernando Abreu, o tempo passado costuma nos dar saudade, de um modo geral. Não por ter sido obrigatoriamente bom, mas sim porque, ao olharmos pra trás, conseguimos – e só conseguimos isto exatamente porque já passou – nos localizar com perfeição naquele cenário, naquele momento de nossas vidas. Conseguimos nos pontuar na história, e isso nos tranquiliza. Passou, foi bom, fiz o meu melhor: errei, acertei, chorei, sorri, amei e desamei, mas fiz o que pude. E assim, este verbo, dito em seu passado simples – passou – nos conforta de alguma misteriosa forma, ao contrário do presente ou, pior ainda, do futuro, ambos tempos que nos causam certo anseio pelo simples fato de que ainda não nos localizamos am absoluto em tais estágios.
Mas a saudade que senti, voltemos a ela.
Senti saudade de minha infância, das férias intermináveis no sítio, da velha casa em que moramos até meus dez anos e de seu imenso jardim, da escola em que estudei até a quarta série e de todos que comigo viveram aquela infância sadia (Deus, por onde andarão muitos deles?), saudade das primeiras farras, das primeiras paixões, das manhãs no outro colégio em que permaneci até o fim do período escolar, saudade de velhos professores, antigos amores, velhos cheiros que trazem boas recordações, de livros lidos, sonhos perdidos, outros encontrados.
Saudade senti, saudade quero sentir – sentimento nobre, enrijece com o tempo, se ornamenta com o passar dos anos. Que a saudade seja, e que isto nunca mude, feita sempre feita daquilo que trazemos de mais íntimo: nossa memória, sincera memória.
(Quixaba, 04 de dezembro de 2011)
Frase do dia:
"A incerteza do futuro fez com que o coração voltasse ao passado."
Gabriel García Márquez
linda crônica! só vc mesmo p/ escrever de forma tão bonita sobre a saudade! ;)
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