Mediocremente

Sentou-se à mesa certo de que havia algo necessário a dizer. Era escritor, de pouco talento é verdade, mas naquele dia não foi o ofício que o impeliu à folha em branco. 

Conhecia bem a sensação, embora ela não lhe ocorresse com frequência. Era uma tristeza plácida, lenta como o mundo há de ter sido um dia, uma ideia vaga mas segura de que o mundo é ruim, mas não acaba. Tristeza feito goteira num balde: bate, demora... bate, demora... O balde se dá à vista, porém quem o imagina pleno?

Pôs uma música a tocar. Era mesmo a velha sensação que o punha a redigir: bastaram os primeiros acordes e as lágrimas, como que harmonizadas com a cena que ali se desenhava, desceram sem apuro, duas ou três. 

Coceira na mente. A expressão não era sua, claro, lera em algum livro certa vez. Escritor medíocre. Um engodo na garganta, empenhava-se em dar-lhe substância, em conferir-lhe um conteúdo menos nebuloso, buscava uma metáfora de efeito, um resto de latim que lhe servisse, dicionários, anotações em velhos cadernos adolescentes, teorias consagradas: por um momento, tresvia o mundo, mas logo o perdia.

Aborrecido, desistia, era sempre assim. Mais uma música, já sem lágrimas. Mais uma busca, mas esta já certa de que resultaria vã. Mediocremente, apagam-se as luzes.



"Desde minha fuga, era calando minha revolta (tinha contundência o meu silêncio! tinha textura a minha raiva!) que eu, a cada passo, me distanciava lá da fazenda, e se acaso distraído eu perguntasse 'para onde estamos indo?' - não importava que eu, erguendo os olhos, alcançasse paisagens muito novas, quem sabe menos ásperas, não importava que eu, caminhando, me conduzisse para regiões cada vez mais afastadas, pois haveria de ouvir claramente de meus anseios um juízo rígido, era um cascalho, um osso rigoroso, desprovido de qualquer dúvida: 'estamos indo sempre para casa'."
Raduan Nassar

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