Vida nas esquinas
Ainda há sensibilidade e esperança sendo plantada em várias esquinas de Fortaleza. Não sei quem teve a ideia, quem a executa, se são ações de um grupo ou manifestações de um poeta solitário, desconheço enfim a procedência do movimento, ignorância que fiz questão de manter. Não pus no Google "mensagens nos semáforos de Fortaleza" ou algo do gênero. Em casos assim, creio haver mais beleza na dúvida, afinal sempre um ponto de abertura para nosso imaginário, do que na convicção, para o bem e para o mal sempre um ponto de fechamento das possibilidades.
Refiro-me aos pequenos poemas estampados em várias esquinas da cidade, sempre perto de algum semáforo: estratégia aliás inteligente na medida em que capta a atenção de todos aqueles que aguardam o surgimento da cor verde para seguir seus caminhos.
Lembro-me apenas de dois desses poemas. Um deles nos presenteia assim: Sinal fechou? Lembra do cheiro dela. E o outro: Sinto muito por você, . Assim mesmo, sem assinatura em ambos e, no segundo, com essa vírgula aparentemente fora de propósito.
Sinceramente, pensei a princípio em discorrer sobre o fato de que, em ambos os textos, o poeta teve a felicidade de, com poucos caracteres, provavelmente tocar cada uma das milhares de pessoas que passam por aquela esquina: a cada leitura, uma nova pequena história é atualizada: o elemento ela, no primeiro texto, por exemplo, me remete a uma determinada pessoa, mas certamente remeteu você a outra. Do mesmo modo, essa vírgula misteriosa do segundo poema faz todo o sentido se repararmos que, na verdade, é precisamente esse sinal gráfico que abre o campo de possibilidades para que cada leitor encontre um, digamos, fim para a história, por exemplo: Sinto muito por você, que fez seu filho chorar hoje de manhã; Sinto muito por você, que sente saudades de sua mãe etc. Pois bem, pensei em falar mais sobre essas virtudes linguísticas dos dois poemas, mas sei que a crônica ia cheirar a crítica literária, o que não me agradaria aqui.
Creio então que o que mais me enche os olhos nisso tudo é pensar que o coração da poesia certamente palpita com ações assim. Cidade grande, carros, asfalto, ônibus, buzinas, poluição, outdoor, placas de trânsito - e de repente um poema, nos lembrando que a vida há.
"A borboleta pousada
ou é Deus
ou é nada."
Adélia Prado
Comentários
Postar um comentário