"É a Teresinha..."


Atendi o celular acreditando que iria ouvir do outro lado da linha a voz da Bernadete; afinal, o ser humano moderno jamais pode duvidar daquilo que a tecnologia lhe afirma, e eu, como obediente ser humano que sou, não ousei questionar esse senhor supremo que tudo sabe – o celular –, pois sem titubear ele estava me informando no visor do aparelho o nome da pessoa que comigo queria falar – Berna.

No entanto, me assustei quase imperceptivelmente quando, do outro lado da linha, surgiu uma voz que não era a que me prometia o celular; era, sim, uma voz mais cansada porém auscultadamente satisfeita por estar ali, se fazendo presente; uma voz mais frágil, mais arrastada porém muito segura de si; uma voz assim, que misturava fragilidade e segurança tal qual uma velha árvore que no outono vê caírem todas as suas folhas, mas se mantém de pé, firme, impávida.

Logo que atendi, a primeira coisa que ela me disse não foi "Alô", "Olá" ou mesmo "Não, não é a Bernadete"; disse somente isto: "É a Teresinha...", com uma sonoridade que só podia ser mesmo a de uma avó que tudo já viveu se dirigindo a um neto que mal conhece a vida.

Conversamos as banalidades que tínhamos pra falar, e ela me passou o simpático recado que me queria dar; mas a beleza, o miolo, o núcleo da conversa foi esse, foi essa frase, dita tão naturalmente quanto uma chuva fina num fim de tarde de domingo. "É a Teresinha..."

Sim, sim, é a Teresinha. A mesma que vive e viverá pra sempre em minha memória como uma mulher de andar seguro, olhar sereno e postura correta numa velha cadeira de madeira. É a Teresinha de sorriso brando e de falas educadas, tranqüilizadoras e até firmes, quando necessário. Sim, sim, claro que é a Teresinha: a que nunca se objetou a um sonho sequer de seus filhos, netos ou bisnetos; a que nunca se opôs quando seus filhos - muitos ainda jovens demais pra sair de casa, sedentos pelo mundo - foram pra longe, em busca de seus deles sonhos. É a Teresinha, que viveu sozinha até um dia desses, e quem quisesse vê-la era só tocar a campanhinha e sentar pra tomar um café feito por ela, na hora; mas quem por acaso passasse de tempos sem visitá-la jamais receberia, quando por lá fosse, aquele típico comentário de lamentação, de reclamação por ter passado tanto tempo sem aparecer, sem dar notícias; nada disso; antes pelo contrário, pois a surpresa seria ainda maior e o tratamento quem sabe até mais lisonjeiro.

Sim, sim, claro que é a Teresinha; claro que é você, vó; me diga o que quer, o que a aflige, que eu e mais uma penca de filhos, netos, bisnetos, noras, genros e muitos mais lhe atenderemos, nem que seja só pra ouvir, numa ligação qualquer, você nos dizer: "É a Teresinha..."


Frase do dia:
"É bem verdade que nem a juventude sabe o que pode, nem a velhice pode o que sabe."
José Saramago

Comentários

  1. Ahhhh cada crônica melhor que a outra! Toda vez que venho aqui é uma emoção. E hoje foi superação de todas. D. Teresinha é linda, é tudo que você descreveu com o coração. Digo-lhe que foi amor a primeira vista meu e toda Curvellada!
    Olha aí que árvore que deu frutos frondosos: D. Teresinha! Parabéns a você, a ela e a todos os frutos.
    bj

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  2. Essa não vai dar pra comentar, só pra chorar... com capotes, ela riu do meu golpe, mas imagino que o que gostou mesmo foi de falar com você...

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  3. lucas, camarada, que coisa linda! leia pra ela, que vai ficar muito feliz de te ouvir...mesmo pelo celular, mas melhor se for ao vivo!

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  4. Puxa, o tio está feliz, emocionado e orgulhoso.
    Arrasou Lucas

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  5. Lucas,

    Que crônica linda! Tão viva, pura integração do sentimento com a razão! Parabéns!
    Quando vai lançar seu livro com estas crônicas maravilhosas?
    Abraço,

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  6. Oh Luquinhas meu querido, que lindo! Hoje o meu coração que vive aqui apertadinho de saudades DELA e dessa penca de filhos, netos, bisnetos e amigos, desabou.Reconheço que o meu chorador é frouxo, mas as lagrimas não são só de emoção e saudades, são tambem de muita gratidão a voce por essa e todas as outras cronicas.Grande beijo.
    Tia Tereza

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  7. Querido filho Lucas, como fico feliz em ler suas cronicas e muito mais quando você descreveu a D. Teresinha, nossa mãe e sua vó.Lí há dias mas não conseguí enviar o comentário.Foi motivo de muito choro e felicidade ao mesmo tempo.Fico orgulhosa por você , este tão jovem e tão da sensível quanto as coisas pessoas .BEIJOS DE SUA MÃE ZULEIDE

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