Cheiro de mar
Já sentado, sozinho, na sala de embarque do aeroporto, parecia controlado o momento de despedida vivido há pouco. Mão esquerda procura o queixo, polegar desliza pelo pescoço, indicador repousa sob as narinas: me surpreende um cheiro de mar por debaixo de minha unha. A cena é de ontem, quando retornava para São Paulo — cidade que, entre tantas maravilhas, não tem o mar em que eu me banhara no dia anterior e que persistia no único espacinho em que ele podia mesmo se conservar — apregado entre carne e unha. Mas não é da presença ou ausência de água salgada margeando uma cidade que trato aqui, não me interessam essas superficialidades que distinguem duas cidades, quaisquer que sejam elas. O que me impeliu, nesta noite, depois de alguns anos, a novamente me verbalizar — "morreria, se lhe fosse vedado escrever?", era a pergunta de Rilke, indagação precisa de quem vê na escrita uma maneira, talvez única, de conferir alguma forma estável, imperfeita decerto, a seus anseios...