Cheiro de mar

Já sentado, sozinho, na sala de embarque do aeroporto, parecia controlado o momento de despedida vivido há pouco. Mão esquerda procura o queixo, polegar desliza pelo pescoço, indicador repousa sob as narinas: me surpreende um cheiro de mar por debaixo de minha unha.

A cena é de ontem, quando retornava para São Paulo — cidade que, entre tantas maravilhas, não tem o mar em que eu me banhara no dia anterior e que persistia no único espacinho em que ele podia mesmo se conservar — apregado entre carne e unha.

Mas não é da presença ou ausência de água salgada margeando uma cidade que trato aqui, não me interessam essas superficialidades que distinguem duas cidades, quaisquer que sejam elas. O que me impeliu, nesta noite, depois de alguns anos, a novamente me verbalizar — "morreria, se lhe fosse vedado escrever?", era a pergunta de Rilke, indagação precisa de quem vê na escrita uma maneira, talvez única, de conferir alguma forma estável, imperfeita decerto, a seus anseios... — não foi, não seria jamais um cotejo frio entre Fortaleza e São Paulo, mesmo porque tenho, por diferentes razões, muito amor por ambas.

Falo, sim, de despedidas, de partidas que às vezes nos impomos, atropelando nosso querer. O cheiro do mar, portanto, não fez mais do que conferir concretude à angústia de quem, ali no salão de embarque, se perguntava — o que estou trocando por esse cheiro de sal e água sob meus dedos? Aquilo que julgo receber em troca, ao partir, vale mais que a manutenção deste odor em mim? Estranhices da vida.

Difícil não é sair da nossa terra, do nosso mar (porque toda terra, já deve estar claro, tem um mar que nos pertence e nos espera), difícil é voltar a ela e ter de, uma vez mais, nos despedir carregando apenas... o perfume do seu mar.

Alegro-me quando escuto, nas ruas paulistanas, nos vagões de metrô, nos bares, aquelas vogais mais abertas do povo nordestino, aquela fala mais mansa ou aquela piada ligeira e incisiva típica mesmo da nossa gente: alegro-me porque em tudo isso há o mesmo cheiro de mar que nos identifica.

Procuro-o agora, sob minha unha: mesmo tendo já se dissipado, sei — há mar.


"O importante não é a casa onde moramos, mas onde, em nós, a casa mora." 
Mia Couto

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