Nosso dia das mães


Talvez cada um de nós que tivemos a sorte de ter uma figura materna presente em nossa vida guarde em si um dia das mães que é só nosso. Não falo, portanto, do segundo domingo de maio, data que, por alegre que seja, vem de fora pra dentro e pouco diz do momento em que, pela primeira vez, reparamos conscientemente na mulher que ao menos durante certo tempo nos guiou em vários aspectos.

Falo do instante — a depender de cada um, mais ou menos duradouro, mais ou menos feliz, mais ou menos encoberto pelo pó do passado distante — que, por alguma razão pouco clara, se nos impõe como a mais evidente das constatações: esta mulher importa para mim.

Nunca assumira a ninguém e, embora isso sempre tenha rondado meu imaginário, apenas nestes últimos dias conferi forma mais nítida a este que é, então, o meu dia das mães.

Eu era pequeno, cinco, seis, sete anos. Morávamos naquela casa enorme que dava de fundo para todos os meus sonhos. Casa-jardim, casa-goiabeira, casa-casa. Havia muitas festas lá. Normalmente, criança que era, me punham a dormir cedo, mas neste dia, sabe-se lá por que razão, acordei-me no meio da noite, ou não dormi, vá saber. Desci as escadas que ligavam os quartos aos demais ambientes e, no terraço, vi minha mãe. Sentada, quieta, reflexiva como, acho, nunca a havia visto. Ela que à época era pura pressa, sem tempo pra si.

Não havia mais ninguém por ali, a festa já terminara em todos os seus componentes, exceto um: tocava — em alto volume reproduzido por umas caixas de som revestidas em madeira clara, lembro-me tanto dessas duas caixas... — uma canção entoada por uma voz  deveras imponente. Era Maria Bethânia, hoje sei. "Fera ferida" ou "Canções que você fez pra mim"? Seguramente, uma das duas, talvez ambas, reproduzidas em sequência. Minha mãe chorava, pela primeira vez diante de meus olhos conscientes. Choro sem desespero, sem soluços descompassados, choro denso de lágrimas pesadas.

Que se passou ali? Terá sido o traço de fragilidade — ou melhor, de força, porque aquele tipo de choro é sempre edificante — manifestada que me informou da condição humana de minha mãe, cativando-me? Ou terá sido o simples estado sossegado, lento, que até então eu não havia constatado naquela pessoa, que me fez entender que mãe é um ser mesmo muito cheio de nuances? Ou serão estas hipóteses claras demais, acadêmicas demais, de tal modo que o mais adequado fosse manter este instante vivo justamente no que ele tem de esbatido e misterioso? Vá saber.

Seja como for, ali nasceu o meu dia das mães. Cada um de nós há de ter um: escondido, rebuçado, porém vivo. Comemoro a data quando ouço alguma das duas canções entoada pela Bethânia. Vem um bicho e me belisca, mãe.

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