Uma mania


Cada doido com sua mania, tá aí uma verdade.

Dia desses eu estava na casa de um amigo cujo pai é um apaixonado por carros antigos. Se cada doido tem a sua fixação, a garagem da casa dessa pessoa não deixava dúvidas: a mania dele eram aqueles automóveis de idade avançada, clássicos e mais que bem conservados. Havia carro com mais de 50 anos, carro que o avô desse meu amigo havia comprado zero quilômetro e que foi herdado pelo pai de meu colega, enfim, uns cinco ou seis modelos que caberiam em qualquer museu do automóvel, impecáveis.

Um dos outros amigos nossos, que também estava lá, olhando pras raridades ali existentes e vendo o esmero que havia em cada item, disse assim, numa versão mais suave da frase com que comecei o texto: "Engraçado, cada pessoa tem seu hobby, né?"

E é verdade. Eu, que sou preguiçoso demais pra cultivar uma mania que me demande um trabalho tão primoroso como o que tem o pai desse meu amigo - que passa horas debaixo de suas preciosidades consertando sabe-se lá que diabos -, confesso minha excentricidade: ler.

Ler. Mais até que escrever, pois essa acho que é somente uma consequência da leitura. Na verdade sinto como se eu fosse comendo - às vezes devorando - as palavras existentes nos livros, que vão sendo cuidadosamente mastigadas, digeridas até o momento em que não as suporto mais dentro de meu corpo, e então as regurgito, as vomito. Escrever pra mim é essencialmente isto: a tentativa sempre frustrada de vomitar organizada, lucidamente as palavras de que me alimento.

Não sei qual a sua mania, se é que você também é doido a ponto de ter uma. A minha é esta: ler - o que continuará a produzir vômitos como este, que jamais falarão o que sinto, mas sempre se esforçarão na tentativa.


Frase do dia:
"Quando em viagens sempre tive medo de que o avião caísse, mas um dia um medo diferente me ocorreu, o medo de que o avião não caísse nunca e continuasse a voar para sempre."
Gabriel García Márquez

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