Céu e mar


Não gosto de, nestas crônicas, falar sobre os livros que venho lendo, como se quisesse dar uma de crítico literário ou algo do tipo. Julgar - independentemente do que seja ou de quem se trate - não é minha praia.

Mas o livro que li - ou melhor, devorei - de ontem pra hoje mexeu demais comigo. Não deu pra não falar sobre ele quando aqui me sentei pra escrever. Poucas vezes na vida - se é que alguma vez isso aconteceu - tive a sensação de entender completamente o que o que o autor estava dizendo, o que estava pensando, aquilo que estava de fato vivendo (já que se tratava de um relato absolutamente verdadeiro: a descrição de uma inusitada viagem realizada por ele). Senti-me como nunca entranhado nos pensamentos descritos por alguém. A bem da verdade, se for olhar por um prisma mais racional, acho que o livro (que é muito bom), nem merece tantos e rasgados elogios; o que me impressionou mesmo foi como tive a sorte de lê-lo no momento de minha vida em que mais poderia compreendê-lo, em que mais estou vivendo as palavras utilizadas por outra pessoa.

Cem dias entre céu e mar, do experiente navegador Amyr Klink, conta, de cabo a rabo, a história desse (maluco?) cara que, em 10 de julho de 1984, resolveu fazer uma viagem até então inédita na história da navegação: sair da Namíbia, na África, e aportar em Salvador, na Bahia, cruzando o oceano Atlântico inteiro. Detalhe: sozinnho e remando (isso mesmo, remando!) num barco de seis metros. Vale ainda a ressalva de que a viagem só era inédita porque, das três pessoas que haviam ousado fazê-la nessas condições, duas comprovadamente não chegaram vivas ao destino; e outra - pra não a matarmos logo nesta crônica - está desaparecida até hoje.

A história é linda, e me tocou sobremaneira a forma como ele lidou com o fato de encarar mais de três meses sem ver outro ser humano; sem ver terra firme, só mar, mar e mar para todos os lados; guiando-se pelo sol e pelas estrelas; vivendo uma vida completamente paralela à nossa; e em um contato tão respeitoso com a vida marítima, que só vendo - ops, lendo - pra crer. Como ele conviveu com todas essas melancólicas novidades? Em paz, nada mais que em paz. Em equilíbrio consigo e com tudo o que o rondava. E, falando "no que o rondava", não pense que era uma calmaria a todo momento; pelo contrário, baleias que poderiam estraçalhar o barquinho em segundos, tubarões que o seguiam por dias e tempestades em alto mar são mais que angustiantes durante a leitura.

Pela façanha desse cara vivedor da vida; pelos conhecimentos marítimos que você ganha; mas principalmente pela maneira através da qual o sr. Klink enxerga o mundo, o livro vale a pena e vale, até, uma crônica.


Frase do dia:
"A imensidão do mar tornava minúsculos os meus maiores problemas e gigantes as minhas menores alegrias. Ensinou-me a dar valor à vida que eu levava e a pequenas coisas que às vezes passavam despercebidas.

Nada no mundo era mais gostoso do que terminar o jantar e pular na cama. Nada fazia mais falta do que um travesseiro comum. Nada era mais útil do que uma tempestade favorável ou mais tranquilizador do que o fim de uma calmaria.

E então pude constatar como tão poucas coisas eram suficientes para viver em paz e bem."
Amyr Klink

Comentários

  1. Tudo que li dele é fantástico, Luquete! Creio que quando nos encontramos na imensidão da terra (ou do mar, como é o caso dele), nos vemos espelhados na infinitude que somos. A lida nos torna pequenos ou nos aproxima de nossa pequenez. Para sermos grandes, precisamos querer e querer muito, daí a humanidade historiar a falta de vontade que temos tido.

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  2. Esse titulo me lembra um grande poetero cearense que dizia: "O céu, o mar, Fortaleza e Ceará."

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  3. E viva Amyr Klink e ao Soldado!
    Sábias palavras.Paulim

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