Olhemos pro céu


Triste do homem que não olha mais pro céu; que passa o dia entretido, arrebatado por esse mundo quadriculado e sem sentido que nós criamos – mundo de gente que não olha mais pro céu.

A vida seria - ah, como seria! - suave como o desmanchar de um algodão-doce na boca de uma criança se todos, mas todos mesmo, prometêssemos em algum momento, do amanhecer à hora de dormir, tirar os olhos de todo esse conjunto caótico de sons e imagens que urbanizam - digo, infernizam - as grandes cidades, só pra mirar o céu; silenciosamente, se não for pedir demais.

Pela manhã, ainda cedinho, observar por poucos mas densos segundos a tonalidade daquele azul vivo, eterno, que banha de ponta a ponta e num mesmo discreto tom toda a extensão desse teto meio oval que nos comporta. Examinar se há nuvens. Se não houver, aprazerar-se ligeiramente com o céu limpo, nu – como veio ao mundo. Sentir invadir-se pela energia serena, tímida, que exala de lá de cima, nos dando força para um novo dia. Se houver nuvens, no entanto, distrair-se um pouco com suas formas, imaginá-las infantilmente feitas de algodão, talvez querendo chamar nossa atenção para o espetáculo que se dá acima delas, diariamente e pra quase ninguém ver.

À tardinha, outra bela oportunidade: a última chance de olhar o céu ainda com luz. O sol se indo, preguiçoso, caindo por detrás dos prédios, melancólico. Cores e mais cores se imiscuindo numa denso emaranhado de matizes, ora alaranjados, ora amarelados e por fim negros: caiu a noite.

Estamos já na última ocasião para aqueles que, na correria da jornada, não puderam - ao sair de casa, ao voltar do trabalho -, durante dez bobos segundos, lançar um olhar atencioso para o alto. Mas ainda há tempo, como dissemos. Há talvez estrelas a essa hora, talvez a lua, até. Há a escuridão, sim, mas também o romantismo da noite, a boemia, o silêncio, finalmente o silêncio.

Olhemos pro céu, caros amigos, olhemos pra cima, uma vezinha só; indo pra parada do ônibus, saindo do banco, indo pro shopping, levando o cachorro pra passear. Uma vez só, pra vivermos menos enclausurados, pra sentirmos não esse mundo precário de todo dia, mas, sim, o mundo infinito de sempre. O céu, o céu, o céu!


Frase do dia:
"Este povo, que tanto espera do céu, olha pouco para o alto onde se diz que o céu é."
José Saramago

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