Homem cansado
Ficou ali pela cama um tempo, imóvel, a olhar o nada,
esperando que aquilo se dissipasse. Devia ter dormido demais, certamente era
isso. No entanto, foi-se sentindo mais e mais vencido, e subitamente lhe
ocorreu uma vontade: não queria se levantar. Nunca mais.
Foi ao banheiro, lavou o rosto e, num gesto mecânico e vazio,
olhou-se no espelho: uma barba por fazer e uma vida tola por seguir – qual dos
dois mais lhe desagradava?
Passou o dia assim: escondendo-se, minguando-se,
perecendo-se. Não reparou no belo dia de sol que fazia ou no céu todo azul,
muito azul. Ou talvez tenha, sim, notado, mas seu olhar nada falou, nada
transpareceu – era frio e negro como uma noite longínqua num deserto vazio. Seu
corpo comeu, lavou-se, dormiu um tanto mais. Seu corpo. Pois sua mente era um
quase nada, era uma vela acesa em meio a uma noite de ventania, a
chama que ameaçava a qualquer momento apagar-se. Mas que resistia a troco de nada.
Assim era a sua mente. Um quase.
Continuou por ali, absorto, vazio feito uma árvore magra,
sem fruto, sem nome, que nem sombra dá. Lembrou-se da vida que tinha e de todas
as escolhas que fizera, pois sim, sabia-se inteiramente responsável pelo
caminho que traçara. Lembrou-se dessa vida e sentiu-se estagnado, sozinho no meio
de uma estrada reta e sem fim, e tudo lhe pareceu tão assim... besta.
Deitou-se uma vez mais, já noite, e tudo aquilo escorreu
numa única e ingênua lágrima que lhe desceu rosto abaixo até morrer num beiço
fino, que absorveu silenciosamente todo aquele cansaço. Era salgada, a lágrima.
Frase do dia:
"Como poderia dizer a essa moça que me comoveu seu corpo de breves ancas andando sobre os saltos altos; ou que o leve movimento de seus cabelos me fez bem?"
Rubem Braga
hummm...
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