Com palavras, não sei dizer
26 letras e mais um punhado de sinais de pontuação: é esse
todo o arsenal de que dispõe um escritor. Outro dia entrei numa livraria e
quase infantilmente me vi surpreendido por essa conclusão – óbvia, tola, até.
Todas aquelas centenas de livros devidamente enfileirados,
organizados e catalogados nas mais diversas estantes nada mais continham do que
isto: letras. 26 apáticas formas gráficas que, sozinhas, nada dizem. No
entanto, é na frieza de um a, somada à gelidez de um m, de um o e de um r que o
escritor encontra um caloroso vocábulo: amor. Porque, a bem da verdade,
escrever é simplesmente essa capacidade de juntar: juntar letras que formam
palavras, palavras que formam frases, frases que contam histórias.
Se escrever é uma arte? Penso que sim. É inimaginável a distância
que há entre a repentina, natural, veloz ação de pensar que brota em nossa
mente a todo instante, e o ato de traduzir esse pensamento em palavras, a
formidável capacidade de dar-lhe forma gráfica. Pois, enquanto o pensar é viscoso,
arisco, amorfo, abstrato; o escrever deve ser minimamente harmonioso, domesticável,
organizado, coerente. Escrever é a tentativa quase sempre frustrada de tornar
reto o que é naturalmente curvilíneo. É tentar agarrar o vento, que é um nada,
e transformá-lo num bloco de concreto, expressão máxima da existência.
Porque sentir medo é fácil, qualquer animal sente. Escrever "Estou com medo", no entanto, só nós sabemos. Amar é simples,
não requer alfabetização. Mas dizer "Como é grande meu amor por você", isso até
Roberto Carlos admitiu: "Com palavras, não sei dizer."
Deve ser por isso que entrar numa livraria, pra mim, é
sempre um momento singular, especial. Milhares de pensamentos incrivelmente
capturados, centenas de histórias juntas, todas, sem dúvida, ardilosamente
trabalhadas pelos autores, que certamente passaram horas difíceis a ordenar o
que é por natureza desordenado, espontâneo: o pensamento. E, o que é mais
extraordinário, contarem essa enormidade de histórias munidos somente de 26 ínfimas ferramentas,
26 indiferentes letras.
Tentei mais uma vez falar o que pensava, mas, se não me fiz entender,
maquio minha incompetência: com 26 letras e uma meia dúzia de sinais de
pontuação, o pensamento estará sempre em vantagem, por vezes perto, mas nunca, nunquinha
na palma da mão.
Frase do dia:
"E isso me permite dizer a vocês uma coisa que agora comprovo, depois de ter publicado cinco livros: o ofício de escritor é talvez o único que quanto mais se pratica, mais difícil fica. A facilidade com que me sentei naquela tarde para escrever (...) não pode se comparar com o trabalho que hoje em dia me custa escrever uma página."
Gabriel García Márquez
Depois de um dia inteiro lendo e escrevendo (com 26 míseras letrinhas) sobre centros urbanos, decadência e revitalização através de cultura e habitação, posso afirmar que escorreu uma lágrima ao ler um texto tão lindo, singelo e delicado, até meio sem pretensão, eu diria. As palavras emocionam as pessoas e isso é lindo.
ResponderExcluirBeijo,
Larissa.