A quem precisa, feliz natal
É incrível, também acho, mas ele já está aí de novo. O natal,
quem mais seria? Lembro com perfeição do último dia 24 de dezembro, de modo que
admitir que de lá pra cá já se passou quase um ano, putz, faz a gente sentir
esse tal de tempo pesando sobre as costas.
Até poderia, mas não vou falar de como, nessa época,
parte da cidade fica mais bonita, decorada, iluminada. Ou de como algumas
pessoas, unicamente nesse período, decidem ser mais gentis, mostrar seu lado
humano, aquele ficou enfiado no guarda-roupa o restante da temporada. Até acho
bacana esse tal espírito natalino, mas não consigo deixar de lamentar que a
data tenha, como tantas outras, se transformado em mais um momento pelo qual o
comércio espera lambendo os beiços, mais um período em que as pessoas saem de
casa – e compram, compram e compram. E tem mais: os grandes meios de
comunicação, que poderiam variar um pouco o tema das reportagens natalinas e
dar uma outra abordagem à data, ano após ano insistem naquela repetitiva matéria:
“Neste ano, as vendas nesta loja subiram 16% em relação ao ano passado”, como
se o sucesso do natal fosse tão maior quanto mais volumosas as compras no
período.
Assim, quero te propor um acordo.
Neste natal, naquela simbólica noite do dia 24, faça um
minuto de silêncio e lembre que, apesar das dores e perdas que a vida nos traz,
não há outra atitude a se tomar senão a reconhecer. Sim, reconhecer: que somos
afortunados, privilegiados. Enquanto reclamamos do preço da gasolina, das malditas
operadoras de celular, da péssima qualidade dos planos de saúde, do trânsito
infernal nas grandes cidades, das brigas conjugais e até daquela dor de cabeça
que parece não acabar mais, volto a dizer, enquanto passamos o ano reclamando
de tudo isso – cerca de 30 milhões de pessoas morreram de fome nos últimos 12 meses, sendo oito
milhões de crianças. Lembre que, enquanto algumas pessoas faturam milhões por
dia, dois bilhões de pessoas (aproximadamente 20% da população mundial) sobrevivem
com menos de um dólar diário. Que há mais de 850 milhões de adultos analfabetos
no planeta. Que cerca de dois bilhões de pessoas sofrem de anemia. Que, dos 4,5
bilhões de habitantes dos países em desenvolvimento(?), cerca de um terço não
tem acesso à água potável.
Neste natal, além de abraços calorosos e saúde em dia, desejo-lhe
esse minuto de silenciosa reflexão. Se nesse curto tempo, pensando sobre tudo
isso falado acima, você se sentir completamente alheio, indiferente a esse
funesto cenário que é o mundo que criamos, lamento pela sua insensibilidade.
Mas se de alguma forma, qualquer forma, você se sentiu incomodado, levemente
entristecido com um planeta tão desigual, então saiba: no dilatado e fecundo
campo que é a imaginação humana, eu estarei sorrindo, à sua espera, e nos
abraçaremos desejando – não a nós, afortunados que somos, mas ao mundo – um feliz
natal.
Frase do dia:
"Se você sente indignação diante de qualquer injustiça no mundo, então somos companheiros."
Che Guevara
Che Guevara
... então somos companheiros! Tádila
ResponderExcluirPois é, Lucas, a mim também muito incomoda esse clima de compras, compras, comida, comida, a correria que todos carregam. E afinal deveríamos estar todos celebrando, em calma e serenos, o nascimento humilde de um menino que só queria que nos amássemos uns aos outros... Conhece o "Poema de natal" do Vinícius de Moraes? começa assim: "para isso fomos feitos"...deve ter aí na rede. tua crônica me lembrou esse poema. parabéns!da tua tia zuleica.
ResponderExcluirIncrível como as suas palavras sempre vem para nos fazer refletir e nos tocar de algum modo.. Da amiga saudosa, Clara
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